Governo Gasta mais com Senado que com Oncologia

Enio Jorge Salu – Publicado em 6 de março de 2019

Nesta época tão radicalizada é bom começar esclarecendo que governo aqui não é o atual ou o anterior, ou do anterior do anterior ... nem exclusivamente do poder executivo, legislativo, judiciário ... governo aqui é no sentido amplo ... o Estado que arrecada tributos e devolve serviços.

E nem é intenção julgar se o gasto do Senado é incompatível com o que ele necessita fazer ... apenas comparar gastos governamentais para entendermos que a razão pela qual o SUS vai caminhando para o óbito é só uma questão de priorização, antes da falta de dinheiro.

Separei 4 gráficos produzidos no Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil (www.gesb.net.br) para definir um contexto.

Neles é possível analisar a capacidade de arrecadação de tributos do governo, e o repasse do SUS para a rede assistencial (o que o SUS paga em contrapartida aos atendimentos que a população obtém), nos anos 2008, 2016, 2017 e 2018.

Não é necessário ser muito “bom de vista” para reparar na diferença de “inclinação” entre as curvas:

·         As curvas de arrecadação de tributos são mais acentuadas. Mesmo nos anos da pior crise econômica que o Brasil já viveu (2016-2017-2018), o Governo arrecadou cada vez mais ano após ano. Teve dinheiro para aumentar todo ano proporcionalmente o repasse ao SUS;

·         Mas as curvas de repasse do SUS aos serviços de saúde são menos acentuadas ... o governo arrecadou mais, e repassou proporcionalmente menos, ano após ano !!!

Para piorar o cenário a população continuou a crescer nos últimos 3 anos e, pior, mais de 1 milhão de pessoas deixaram de ter plano de saúde, passando a utilizar o SUS.

Vamos olhar a tabela que originou o gráfico:

É fácil perceber que mesmo na Oncologia, uma das especialidades em que o SUS até acelerou o incremento do repasse, o % de crescimento do repasse é metade do % de crescimento da arrecadação de tributos.

Acontece com a saúde o mesmo que ocorre com a previdência – não entendam mal – a questão não é se é necessário mudar alguma coisa na previdência e na saúde, e sim se existe algo menos importante que previdência e saúde que pode ser mudado antes para equilibrar as contas públicas !

Para quem não tem intimidade com números públicos, deixe-me reproduzir o orçamento do senado federal em alguns anos:

·         Repare que o senado gasta mais do que o SUS repassa para tratamento de oncologia no Brasil inteiro e, principalmente, que o reajuste anual do orçamento do senado cresce proporcionalmente acima do crescimento da arrecadação de tributos federais ... e acima, mas muito acima, do crescimento do repasse do SUS;

·         Não é questão de discutir se 81 senadores devem ou não ter um orçamento de 4,5 bilhões – não tenho condições técnicas para julgar se isso é muito ou pouco. A questão é discutir se é justo que para tratar as centenas de milhares de pacientes oncológicos o Brasil deve reservar menos do que o senado gasta !

Eu acho que o Brasil necessita de um Congresso Nacional cada vez mais especializado, para decidir por leis cada vez melhores, e isso exige investimentos como em qualquer outra atividade ... não pode haver questionamento sobre isso ... mas a questão que se coloca é: será que isso justifica reajustes maiores do que os destinados às quimioterapias do SUS ?


O Estudo Geografia Econômica da Oncologia no Brasil demonstra, entre outras coisas, que em 2018:

·         Foi contabilizado pelo INCA, mais de 300.000 novos casos;

·         Foi contabilizado pelo SUS, mais de 820.000 internações associadas ao Capítulo 2 da Tabela CID-10 (neoplasias), e quase 68.000 óbitos nessas internações.

E ao lembrar que a população brasileira tende a continuar envelhecendo, e que a ocorrência de câncer é muito maior em idosos do que em jovens, vem a triste constatação de que não existe perspectiva de melhora do cenário da saúde pública. Não atuo na gestão pública de saúde, embora tenha feito uma pós na Faculdade de Saúde Pública da USP, mas pela minha atividade profissional compilo estes números rotineiramente, e acredito que pelas prioridades do governo, não existe órgão que faça isso para reivindicar adequação de orçamento para a saúde no Brasil.

Bem ... uma vez contextualizado e justificado com números, vamos ao que interessa para quem dá consultoria e treinamento em gestão em saúde: onde o SUS é mais ineficiente, maior a oportunidade de negócios para a saúde suplementar !

No estudo é possível verificar que existem serviços de saúde especializados em oncologia em apenas 134 das mais de 5.500 cidades brasileiras.

E quando analisamos a distribuição dos leitos exclusivamente destinados para oncologia no Brasil, vemos que apenas 3 das Unidades Federativas (MG, PR e SP) contabilizam quase a metade ...

... e na distribuição Per Capta dos leitos do SUS ...



... a Unidade Federativa mais privilegiada tem mais de 10 vezes mais leitos de oncologia que a menos privilegiada, e o câncer não escolhe “lugar para morar”.

Fechando o cenário ... 100% dos indicadores do estudo só servem para afirmar: não existe nada no governo que sinalize melhora real no cuidado aos pacientes com câncer na rede pública de saúde ... se você for investidor, quer mais oportunidade de negócios do que esta ?