Ticket Médio das Contas Hospitalares reduzindo até no SUS

Enio Jorge Salu – Publicado em 18 de março de 2019

Outra análise interessante do fechamento de 2018 do estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil (www.gesb.net.br) é o que demonstra a queda do ticket médio (valor médio) das contas hospitalares, inclusive no SUS.

O “inclusive no SUS” é importante na análise porque entre as várias possíveis causas que originam a queda está a inegável constatação de que a estrutura de faturamento dos hospitais está cada vez menos especializada – em um sistema de financiamento que tem uma tabela de preços única e não sofre reajuste há anos, as regras de mercado não influenciam o valor das contas: os fatores internos é que definem a queda.

Para comentar a Saúde Suplementar, cuja análise é mais complexa, escolhi um procedimento de ortopedia, porque envolve 3 componentes de preços diferentes e interdependentes. Observando a tabela que demonstra a evolução do valor médio das contas de Artroplastia de Joelho:

·         A primeira linha refere-se ao valor médio total das contas, a segunda o componente de OPME incluso neste valor total, e a terceira o componente de Honorários Médicos:

·         Nestas 3 primeiras linhas é possível concluir que existe um acréscimo no valor médio absoluto ... dos 3 componentes;

·         Isso significa que os fornecedores de OPME praticam aumentos de preços para compensar a inflação, e os médicos também o fazem em relação aos seus honorários;

·         Mas é importante, para hospitais, ressaltar que este dinheiro (OPME e HM) na maioria absoluta dos casos não é dele: é um dinheiro que passa pela conta do hospital mas é do fornecedor e do médico – nestes casos em que o dinheiro é repassado ao terceiro, na verdade, este dinheiro é um transtorno administrativo para o hospital.

Como estes 2 componentes  de preços (OPME e HM) não ficam no hospital, a análise das contas sob o ponto de vista do negócio hospitalar está na quarta linha da tabela (Diarião), que é o valor liquido da conta (valor total – OPME – HM) dividido pelo número de dias que o paciente fica internado. Este procedimento, por exemplo, exige que o paciente fique em média 4 dias (tempo médio apurado em contas):


 

·         Analisando o Diarião é fácil perceber que a variação anual de preços cresce muito menos que a dos outros 2 componentes ... para simplifica a análise, vamos olhar em forma de gráfico a variação dos 4 vetores nos últimos 2 anos:

Observamos que o valor total das contas reajustou na casa dos 5 %, mas a variação do dinheiro que fica efetivamente para o hospital não chega a 0,4 % !

Quem é do ramo (comercial, auditoria, faturamento) sabe avaliar os vieses, mas vale a pena citar:

·         Estamos falando de valores médios – existem contas de pacotes em que alguns hospitais realizam o procedimento pela metade do preço médio apurado, sem HM e com OPME;

·         Estamos inserindo no cálculo hospitais especializados em ortopedia, com hospitais gerais;

·         E estamos inserindo no cálculo hospitais de localizações geográficas diferentes.

Portanto, este indicador não deve ser utilizado como benchmarking – para isso deveríamos ter aplicado os filtros que aplicamos em projetos de benchmarking de preços.

A análise aqui é medir a variação e não fazer benchmarking de preços, e como a base de análise é praticamente a mesma (quase 100 % dos hospitais estão na base de dados dos 3 anos), os vieses podem ser desprezados.

Com esta visão, podemos comparar as variações de preços acima, por exemplo, com a variação de um medicamento que figura em todas as contas selecionadas para a análise deste procedimento:

·         2016 = R$ 11,45

·         2017 = R$ 12,39

·         2018 = R$ 13,43


 

A variação geral da Tabela CMED não é muito diferente deste medicamento específico – vamos observar de forma gráfica:

Enquanto o Diarião variou menos de 0,4 % nos 2 anos, os medicamentos variaram mais de 8 %. Como isolamos o alto custo e o HM, se o Diarião está tão longe de acompanhar a variação de preços dos insumos somos levados a interpretar como sendo reflexo principalmente de 2 eventos:

·         No caso de pacotes, em que o reajuste dos preços são feitos da mesma forma que taxas, e eliminam as variações de preços de tabela (Brasindice e Simpro, por exemplo), mas lembrando que nestes números o viés do pacote é reduzido pelo isolamento dos valores de OPME e HM;

·         E menos eficiência no apontamento de itens pelo ambiente de faturamento dos hospitais.

 

No SUS a análise é simplificada:

·         Os preços são baseados em uma tabela única;

·         Todas as informações do segmento estão disponíveis no DATASUS, diferente das da ANS da Saúde Suplementar que só se referem ao que ocorre com operadoras de planos de saúde – todos os atendimentos particulares e não regulados não estão nas bases de dados da ANS.


 

Para avaliar o SUS, escolhi o procedimento mais simples de ser faturado (Parto Normal) comparando os valores médios em cada capital do Brasil:

Baseado na mesma tabela de preços, que não é reajustada há anos, o valor mínimo é R$ 452,98 e o máximo é R$ 677,42, ou seja, uma variação de 49,54 % !

A tabela também demonstra que na maioria das capitais o valor foi evoluindo ao longo do tempo, mas é comum observar variações para maior e para menor em quase todas elas.

No ambiente SUS a estrutura de faturamento tende a ser mais falha, por inúmeras razões, sendo as principais:

·         A maioria das pessoas ainda acha que no SUS se cobra “por pacote”. Em algumas consultorias constatei que o Parto era faturado com um único item da tabela SIGTAP, quando o hospital poderia apontar pelo menos 3;

·         A maioria dos envolvidos no processo de faturamento não conhece a estrutura da tabela e as oportunidades de faturamento – a informação não chega no faturamento, que por sua vez não consegue identificar o que é feito nos prontuários;

·         E a maioria das pessoas que trabalham na área de faturamento e auditoria de contas nunca fez um curso de faturamento – aprenderam “na raça” e com o que o antecessor lhe passou, sendo que o antecessor também não tinha especialização.

E para concluir, existe uma tendência que se aplica tanto na saúde suplementar como no SUS:

·         As pessoas estão cada vez menos especializadas nas regras comerciais, de faturamento e de auditoria de contas, e as empresas confiando cada vez mais no sistema;

·         E o sistema geralmente é parametrizado por pessoas que conhecem mais o sistema do que as regras de negócio do mercado.

Como, se houver erro no sistema, o hospital geralmente só fica sabendo se houver glosa, ou seja, se o erro for a maior, tudo que está mal parametrizado no sistema e gera faturamento a menor “fica debaixo do tapete”.