Comprar ou Desenvolver o Sistema
Enio Jorge Salu – Publicado em 20 de Maio de 2019
Esta é a pergunta mais frequente no início das consultorias estratégicas, e mais antiga em todas as aulas de TI que ministrei na minha já longa história !
Sempre foi difícil responder, porque as pessoas que fazem esta pergunta geralmente nunca sentiram a emoção de gerir a tecnologia de uma grande empresa, principalmente na área da saúde, e não entendem a diferença entre a gestão da infraestrutura de TI e da gestão dos sistemas de informação e, principalmente, o contexto: qual a missão da TI na empresa ?
Se fosse feita a pergunta há muito tempo na área da saúde a resposta era “melhor desenvolver”:
- não existiam boas soluções no mercado;
- se você não gostasse de emoção, era melhor desenvolver algo que atendesse o mínimo da necessidade da empresa do que ficar gerenciando um SLA que o fornecedor não tinha como cumprir, apesar de jurar que sim na hora que vendia !
Foi uma época bem complicada, porque os fornecedores de TI conheciam muito pouco da área da saúde. Não tinham noção da enorme diferença que existe na gestão de um hospital público de um privado, de uma operadora tipo medicina de grupo e uma do tipo auto gestão. Uma vez um fornecedor de um sistema de laboratório apresentou uma solução no hospital que tinha como diferencial o fato da tela ficar vermelha e “apitar” quando o resultado do exame estivesse alterado ... se não fosse trágico teria sido engraçado ... imagine quase 100 % dos exames dos pacientes do CC e UTI “apitando” – o laboratório seria uma “balada” ... um “pancadão” !!!
Com o passar o tempo as soluções de mercado foram evoluindo mais rapidamente que a capacidade de gestão das empresas. As soluções foram agregando o que havia de melhor em cada uma das empresas que se propunham a pagar pelas “customizações”.
Então a resposta passou a ser “melhor comprar”:
- Por que investir recursos em algo que não é o “core business” da empresa ?
- Comprar tinha a vantagem de trazer melhores práticas de mercado embarcadas nos processos do sistema.
Além disso a evolução da tecnologia transformou os sistemas próprios existentes em dinossauros. O custo da mudança de tecnologia para transformar a plataforma anterior na nova era enorme ... e a tecnologia mudava mais rapidamente que opinião de comentarista esportivo !
Era difícil imaginar que um dia a resposta da pergunta mudaria ... e não é que mudou ?
Atualmente voltamos a falar de sistemas do “front office” e do “back office” ... isso era papo da década de 90, e havia sido execrado pelo discurso de que um sistema de mercado tem parâmetros mais que suficientes para se adaptar as necessidades do “core business” e do resto. Vimos grandes empresas do segmento da saúde apostando todas as fichas e até a carteira nisso. E durante um bom tempo foi a melhor opção.
Hoje falar isso deixou de ser sacrilégio, e estamos sendo envolvidos por dezenas de bons “cases” onde desenvolver o “front office” está sendo o seu diferencial de mercado ... o seu fator de competitividade em relação à concorrência.
No lado dos serviços de saúde, tem um case que se destaca, e é cantado em verso e prosa em seminários e cursos:
- A empresa possui mais de 20 estabelecimentos;
- Quando o paciente necessita agendar um procedimento, abre na Internet uma página que exibe a disponibilidade simultaneamente em todas. Se for um exame, mesmo que tiver iniciado o preparo em uma unidade (retirado um kit, por exemplo), se na véspera do exame quiser realizar em outra e houver disponibilidade, altera o local de realização pela Internet;
- Se fosse somente a questão da agenda não causaria muito espanto ... outras questões são muito interessantes:
- O processo que está na retaguarda afere preferências do paciente, dados demográficos, necessidades especiais – mesmo que o paciente tenha deixado um exame anterior na unidade que havia agendado, todos os dados estarão disponíveis na nova;
- O mais interessante: uma outra unidade pode sugerir ao paciente que antecipe seu exame se houver desistência. É comum uma unidade fazer este controle em relação à sua própria agenda – ao identificar que um paciente desistiu da agenda, convocar outros que estão na fila. Neste caso, qualquer das unidades faz isso por sugestão do sistema – identifica o “buraco” e o paciente que está na fila, mesmo de outra unidade. O sistema realmente transformou o paciente em cliente da empresa, e não da unidade de negócios específica.
Tem uma operadora de planos de saúde que está “nadando de braçada” em relação às outras, também porque o seu sistema é muito diferente – só contextualizando alguns aspectos:
- O mesmo sistema controla dados do beneficiário e do paciente, em todas as unidades (da operadora e da sua rede própria);
- Quando o médico solicita um exame, pelo sistema verifica o resultado e convoca o paciente somente se houver necessidade para retornar – se o exame estiver normal, nem o beneficiário necessita retornar para pegar o laudo, ou baixar o lauto pela internet, nem retornar no médico para que o médico diga a ele “o exame está normal” !
- O aplicativo que o beneficiário pode baixar no seu SF vai dando a previsão de tempo para seu atendimento enquanto ele aguarda a consulta, e ele pode pontuar o atendimento, como fazemos com serviços “tipo Uber”, e pelo WhatsApp pode-se esclarecer uma dúvida com a equipe assistencial ou de retaguarda.
Nos dois casos existe uma coincidência ... a TI voltou a ser inserida no contexto de competitividade ... deixou de ser apenas a gestora da infraestrutura e do sistema e voltou a exercer o antigo papel da TI. O CIO conhece muito o negócio, e nem tanto a tecnologia ... tecnologia a gente compra, e não me lembro de época em que esteve tão barata !
Vivo criticando a falta de inovação da TI na área da saúde. Com toda a dificuldade da época, há mais de 20 anos ganhamos inúmeros prêmios (Info Exame, CIO Brasil, Informática Hoje, Informationweek ...) porque colocamos informações na Internet quando todos diziam que “era pecado” fazer isso na área da saúde, implantamos o primeiro PEP do Brasil, integramos voz, dados e imagem quando o protocolo DICOM ainda estava em gestação ... e vimos toda a inovação sendo corroída pelas soluções prontas que vieram com tecnologia mais adequada, controles operacionais seguros e integrados mas .... mas ... excessivamente engessadas. Torando coisas exclusivamente da área assistencial como a robótica, acontece muito pouca inovação no segmento quando comparamos com outros.
Estas soluções que tinham como apelo a integração, impediram a criatividade – no início vinha embarcada a melhor prática, depois passou a ser embarcada pelas O.S.s, onde os gestores pedem o que necessitam e a resposta básica é “não dá pra fazer” !
Aparentemente esta mudança de paradigma em relação ao desenvolvimento pode fazer o segmento da saúde avançar em inovação ... tomara !!!