Escassez de Médicos é mais grave em Oncologia do que no Mais Médicos
Enio Jorge Salu – Publicado em 23 de Junho de 2019
Passamos por uma discussão com foco ideológico em relação ao Programa Mais Médicos que apresentou números cheio de vieses de um lado e de outro, e ofuscou a discussão fundamental: faltam elementos motivadores para formar uma quantidade mais adequada de médicos. Os números do CNES e do IBGE comprovam isso !
É sempre bom lembrar que os dados sobre profissionais de saúde do CNES permitem analisar quantidade de indivíduos, quantidade de postos de trabalho, especialidades e outros parâmetros e dependendo da análise que se deseja fazer é necessário trabalhar as informações para não haver viés. Especificamente para este artigo, para a análise desenvolvida, podemos trabalhar os dados brutos sem que interfiram no resultado, mas é necessário ressaltar que quando citamos quantidade de médicos, não estamos citando a quantidade de indivíduos – um indivíduo pode estar associado a mais de um posto de trabalho, e um mesmo posto de trabalho pode estar associado a mais de um indivíduo.
Isso posto ...
As pessoas se acostumaram com a ideia que existem médicos demais, e com a oferta maior que a demanda as fontes pagadoras estão remunerando com valores cada vez menores.
Este gráfico apresenta a concentração de médicos no SUS. É fácil notar que em números absolutos a maior concentração é nas grandes regiões metropolitanas.
Este apresenta a distribuição médicos Per Capta, e demonstra que no SUS os médicos não se distribuem tão proporcionalmente em relação à população. Nos grandes centros metropolitanos existe saturação, e em regiões mais remotas escassez. Este é o foco do Programa Mais Médicos: se não houver algo que motive o médico a trabalhar com menores condições técnicas (infraestrutura, segurança, etc.) não há como combater a escassez.
Este gráfico demonstra a concentração de médicos na Saúde Suplementar. Diferente do SUS, a concentração em algumas regiões metropolitanas é muito maior.
E este apresenta a quantidade de médicos na Saúde Suplementar em relação ao número de beneficiários de planos de saúde. É nítido que a distribuição é muito mais proporcional do que a Per Capta de médicos do SUS. Não apresenta tanta saturação proporcionalmente ao número de clientes, como ocorre no SUS – o mercado acaba definindo a quantidade em relação a demanda, ao contrário do SUS em que é necessário ter um médico em cada localidade: na área pública não se admite o contrário – dos 5.571 municípios do Brasil:
· Todos têm pelo menos 1 médico no SUS;
· Mas, 3.274 (~ 58%) não tem 1 médico sequer na Saúde Suplementar !
Dos 1.100.993 médicos que existem no Brasil, no SUS atuam quase o dobro dos médicos que atuam na Saúde Suplementar. Dado muito interessante:
· Se considerarmos que existem cerca 50 milhões de beneficiários de planos de saúde em cerca de 200 milhões de habitantes, a saúde suplementar representa ~ 1/4 do total de pacientes;
· Mas, os médicos da saúde suplementar representam ~ 1/3 do total, ou seja, é evidente que existe mais motivação para que os médicos trabalhem na saúde suplementar do que no SUS.
Se escolhermos uma especialidade, o quadro é muito diferente. Escolhendo como exemplo a oncologia, temos 4 tipos de médicos:
· Médico Oncologista Clínico;
· Médico Cancerologista Pediátrico;
· Médico Cancerologista Cirúrgico;
· Médico Radioterapeuta.
Existem 16.289 desses médicos no Brasil, ou seja, para tratar de uma doença que não escolhe local, idade, sexo, classe social ... menos de 1,5 % de especialistas em relação ao total, assim distribuídos entre SUS e SS, e entre os tipos:
Nota-se que a proporção entre SUS e SS não é de 1/3 como acontece no geral, e não guarda relação entre os tipos: em relação aos oncologistas clínicos por exemplo a diferença é pequena.
O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos médicos oncologistas pelos municípios (SUS + SS):
Os “quadradinhos vazios” representam municípios que não têm um único médico oncologista:
· Cidades sem nenhum oncologista: 5.158 – 92,6 %;
· Cidades sem oncologistas SUS: 5.228 – 93,8 %;
· Cidades sem oncologistas na Saúde Suplementar: 5.264 – 94,5 %.
Somente entre 5 e 7 % dos municípios brasileiros o paciente com neoplasia tem um especialista para lhe dar suporte ... o acesso ao tratamento oncológico no Brasil é péssimo ... por mais políticas públicas que possam existir, e por mais avançadas as técnicas que dominamos, ao ser diagnosticado o paciente que consegue tratamento pode ser chamado de “sobrevivente”, se considerar que a maioria absoluta morre sem ao menos saber que tem a doença !!!
O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos oncologistas no SUS Per Capta:
· Nota-se que a “tática” do SUS é deslocar o paciente para tratamento oncológico nos grandes centros metropolitanos e em cidades com alta especialização:
o É o que consegue fazer com o recurso financeiro que possui, mas quem já teve alguém próximo com a doença sabe o quanto isso é danoso para o paciente e para o familiar !
O gráfico a seguir apresenta a distribuição dos médicos da saúde suplementar “Per Beneficiário de Plano de Saúde”:
· Nota-se que a distribuição é um pouco maior que no SUS, mas também concentrada nos grandes centros metropolitanos.
Vale comentar que todos os dados apresentados são compilações do estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil ( gesb.net.br ) que inclusive tiveram os cadernos guias atualizados este mês, já disponíveis nos sites dos estudos, e na página noticia.net.br.
Como vemos, se o Programa Mais Médicos tem problemas com a escassez de clínicos gerais, a população tem um problema muito maior quando o caso fica mais grave, tanto no SUS como na Saúde Suplementar.
Ilustramos aqui o exemplo da oncologia, mas isso vale para quase 100 % das outras especialidades. O que causa apreensão é que se o Mais Médicos melhorar, com a escassez de médicos especialistas que temos, corremos o risco de simplesmente saber do que as pessoas morrem !
Mas, infelizmente não se fala sobre isso – a discussão fica restrita ao Mais Médicos.
Politizar e polemizar um programa de saúde específico e esquecer do tamanho do problema real que é muito maior ... não é uma boa ideia !!!