Governo não atua e as fraudes não diminuem na área da saúde

Enio Jorge Salu – Publicado em 5 de Outubro de 2019

 

 

 

Para comentar o assunto, primeiro é necessário reforçar o conceito sobre fraude:

“Em direito penal, fraude é o crime de deliberadamente enganar outros com o propósito de prejudicá-los, usualmente para obter propriedade ou serviços dele ou dela injustamente.”

 

Vamos falar aqui só das fraudes relacionadas às contas hospitalares ... não vamos falar sobre fraudes de documentação para encobrir erros em prontuários, em processos ... ok ?

 

A área da saúde é uma fonte inesgotável de erros, desperdícios e fraudes, por diversas razões que discutimos nos cursos, e que demonstro com centenas de ilustrações de documentos e fotos. Erro, desperdício e fraude na área da saúde é a regra e não a exceção.

 

Dos três elementos, “fraude” é crime, previsto no código penal:

·         Se existe um erro em conta apontado na auditoria, a parte lesada deve glosar, exigindo a reparação;

·         Se é identificada uma fraude, além de glosar, a parte lesada deveria denunciar o crime ... mas não faz ... se fizesse, o crime continuado resultaria, além da glosa, em multa, reclusão, detenção ... isso mesmo: cadeia !!

 

Vamos lembrar que uma glosa indevida (injustificada tecnicamente) cometida com o intuito de atrasar ou negar um pagamento devido, é fraude também ... ou seja, a fraude não é privilégio de um dos lados da mesa nos negócios da área da saúde.

 

A área da saúde se desenvolveu fazendo vista grossa para fraudes:

·         Se a fonte pagadora denunciar a fraude, vai ficar sem rede credenciada para assumir seus compromissos de regulação;

·         Se o serviço de saúde denunciar a fraude, vai ficar sem cliente.

 

Então o mercado de auditoria de contas hospitalares se desenvolveu na base do “me engana que eu gosto” ... vejo que é fraude, gloso, e fica tudo por isso mesmo.

 

Nos últimos anos, além das consultorias, acabei ministrando muitas aulas, e em boa parte delas, quando o quórum tinha uma boa quantidade de auditores de contas hospitalares, apliquei uma pesquisa simples.

 

 

Foram 239 os pesquisados. Como mostra o gráfico, a amostra está bem equilibrada entre os que atuam em operadoras de planos de saúde, em hospitais, e nos dois.

 

Basicamente médicos e enfermeiros auditores. O número de profissionais com outra formação é irrelevante em relação ao total.

 

Uma das perguntas foi “Qual a sua percepção em relação aos tipos de glosa que você identifica ? A maioria é erro, desperdício ou fraude ?”

 

 

Graças a Deus a maioria absoluta respondeu que se trata de erro !

 

Uma percepção antiga da minha parte foi se confirmando ao longo dos anos: “muita gente chama todo mundo de ladrão na área da saúde” – injustamente como os números comprovam.

 

Existe uma minoria de pessoas e processos fraudulentos – é claro que geralmente esta pequena parcela faz um estrago que não tem tamanho, mas é minoria.

O erro é inerente do processo de formação das contas no segmento da saúde, porque a essência da precificação é traduzir a atividade assistencial em lançamentos em contas. Nessa essência o profissional assistencial é o ator principal – se você não sabe exatamente o que ele faz, não consegue traduzir sua produção em dinheiro adequadamente, e erra ... erra no atacado !

 

O profissional assistencial, também graças a Deus, tem foco na atenção ao paciente, e não no “milhão de regras” comerciais que existem nos sistemas de financiamento do SUS e da Saúde Suplementar. Se ele tiver que dar foco no que se deve, o que se pode, e o que não se pode cobrar nas contas, quem cuidaria do paciente ... quem cuidaria do acompanhante do paciente que via de regra dá muito mais trabalho que o próprio paciente ?

 

Apesar de ser a menor parcela em volume, se comparada em termos de valores é a mais danosa para o sistema de financiamento. Para tentar comprovar isso fiz uma pergunta para os auditores: “Na sua percepção, qual o tipo de fraude mais comum ?

 

 

O gráfico classifica a resposta em 3 grupos:

·         OPME;

·         Documentação (ausência de evidencia, identificação do médico, alteração de documento);

·         Outros (agrupando uma infinidade de tipos).

 

OPME foi apontado por quase metade deles !

 

Aí a bronca com o governo ... cadê ele ?

 

Fraudes relacionadas a OPME são de conhecimento público ... entre elas, a principal é a relativa ao preço: o mesmo OPME é vendido por preços diferentes, dependendo de quem compra, de quem é o médico, de quem é o paciente ...

 

Até série de televisão já mostrou isso ... desvirtuando um pouco o cenário, mas no geral demonstrando a realidade.

 

Então a pergunta ... cadê o governo ?

 

Se o governo estiver esperando que auditores denunciem no ministério público ou coisa do tipo ... espere sentado. As pessoas, principalmente as que trabalham na área da saúde, têm valor pela vida, especialmente a própria vida !

 

Se o governo estiver esperando que serviços de saúde ou operadoras de planos de saúde façam a denúncia ... também pode esperar sentado. Vamos nos lembrar que este custo acaba sendo repassado para o ela mais fraco da cadeia de valores: o beneficiário do SUS ou da Operadora de Planos de Saúde – para as empresas é muito mais fácil fazer isso do que “posar de super herói” !

 

Se a ANS tem condições de tabular preços nas contas da saúde suplementar ... se o MS tem condições de tabular os preços de compra nas contas do SUS ... e o próprio governo não age para coibir eventuais fraudes ... por que simples mortais fariam isso arriscando o bolso e a pele no mercado ?

 

Vou deixar claro que sou contra qualquer tipo de tabelamento de preços ... mas ... se o governo tabela preços de medicamentos ... porque não tabela preços de OPME ? Nem necessitaria tabelar o preço de todos, mas convenhamos que os mais comuns não haveria problema técnico algum.

 

Este é o cenário ... escrevi algo muito parecido com isso em um blog há alguns anos ... e a tendência é que daqui há alguns anos vou escrever algo muito parecido novamente !!!