Porque Remuneração Baseada em Valor Fracassou no Brasil até Agora
Enio Jorge Salu – Publicado em 6 de Novembro de 2019
Foto da turma do curso de remuneração baseada em valor que dei ontem em Manaus para a equipe do Plano de Saúde e Hospitais da Samel.
Chegamos ao final de 2019 e o tema que é vendido como a salvação da saúde desde 2014 não apresenta um único caso real de sucesso !
Várias notícias de que foi implantado aqui e acolá, mas quando vamos ver não é o que dizem. O discurso é RBV, mas na prática apenas um sistema diferente de precificação.
Vamos lembrar que a origem da RBV vem das ações do "Obamacare", um sistema de saúde público, que tinha como objetivo reduzir custos para compensar os gastos com a expansão do Medicare e do Medicaid que, diga-se de passagem, não são sistemas de saúde públicos para toda a população e nem cobrem tudo ... e tem gente que diz que o nosso SUS é porcaria ... tem muitos defeitos mas é muito melhor que os americanos em relação ao acesso da população à saúde !
E o tema veio para o Brasil todo errado.
Primeiro a onda de contratualizações no SUS fixando metas de produção. Só penalizando serviços e nunca premiando. Só podia dar no que deu – reduziu a oferta dos serviços de excelência para a rede, e inseriu componentes de:
· Seletividade: se o risco é passado para o serviço só com penalização e sem bônus, o serviço escolhe o que é mais vantajoso no custo x benefício, e não inova nunca ... para que arcar com custos hoje pensando em economia no futuro sem nunca ser recompensado ? Vou me matar sozinho para os outros aproveitarem ? Vou deixar os outros inovarem e depois eu entro ... e ninguém inova;
· Limitação: se tem penalização para quem não cumpre a meta e não existe premiação para quem supera a meta, vamos nos limitar a cumprir a meta ... nada a mais nem a menos !!!
Depois o tema foi trazido para a saúde suplementar de forma desvirtuada. Acompanhando o erro no SUS, definindo descontos e nunca bônus.
Acrescido de critérios de desfecho e resultado impostos pelas fontes pagadoras, de forma impositiva, sem considerar as grandes diferenças que existem entre EUA e Brasil ... por exemplo: querendo utilizar a mesma métrica de lá de avaliar índices de infecção, ignorando a enorme diferença entre o saneamento básico, cobertura vacinal, alimentação e outros fatores demográficos e epidemiológicos entre EUA e Brasil !
Sem considerar que o paciente fica no Medicare e Medicaid por muito tempo, enquanto nos planos de saúde no Brasil em média apenas 5 anos ... quando você aprende um pouco sobre o paciente a vida dele começa do zero no seu concorrente. E se ele volta para você depois, vem zerado ... um apagão no período que ficou lá!!!
E, principalmente, sem considerar que aqui no Brasil a assistência na saúde suplementar é realizada em redes fragmentadas, em que os serviços não se comunicam e não existe gerenciamento do paciente ... só gerenciamento dos custos, e olhe lá !
Só podia dar no que deu:
· Um ou outro caso em que se aplica DRG apenas como uma forma diferente de precificação ... nenhum componente de bonificação por resultado ... apenas uma outra forma de glosar para reduzir custos;
· Um outro caso de aplicação de desconto por algum critério de desfecho ... nunca de bonificação;
· Nada que induza o serviço de saúde a aumentar a qualidade ... apenas redução de preço, induzindo inclusive a reduzir a qualidade assistencial.
Então o que vemos ao final de 2019, cinco anos depois que o assunto começou a pipocar, sobre novos modelos de remuneração na nossa saúde suplementar não tem nada a ver com valor ... só com preço e risco ... e é basicamente:
· Lotes de produção, que reduzem o preço não por resultado, mas por garantia de escala;
· E a transferência de carteira da operadora para um serviço de saúde ou para uma singular de cooperativa, apenas jogando o risco de um lado para outro, sem qualquer parâmetro de medição de melhoria da qualidade ou resultado.
Como todos torcemos para que novos modelos de remuneração sejam implantados, para que não só a produção (eficiência) seja remunerada como é o caso do “Fee for Service”, mas também a qualidade (eficácia) e o resultado (efetividade), vamos aproveitar que já estamos quase no final do ano e pedir juntos ao Papai Noel que as pessoas levem o assunto a sério, e que o discurso passe a ser real, e não uma nova forma de levar vantagem comercial.
E que haja responsabilidade dos envolvidos em avaliar que:
· Não existe um modelo que seja adequado para aplicação em tudo na saúde, em qualquer parte do Brasil, e em qualquer sistema de financiamento. Todos os modelos apresentam desvantagens, e todos os modelos apresentam vantagens, inclusive o “Fee for Service”;
· Toda a cadeia de valores dos sistemas de financiamento público e privado se desenvolveu no modelo Fee for Service, que envolve operadoras, serviços de saúde, prestadores, profissionais, fornecedores, entidades de classe, universidades, mantenedoras ... qualquer mudança, seja ela qual for, requer avaliar o impacto para todos os atores. Pensar em uma mudança, seja ela qual for, mirando em um ator que considera aproveitador, desperdiçador ... sem considerar os outros atores ... é uma grande irresponsabilidade, que afeta quem não tem nada a ver com isso: o paciente !