Organização da Saúde Muito Distante do Foco no Paciente no Brasil

Comissões Especializadas têm Maior Foco no Procedimento e não na Segurança do Paciente

Enio Jorge Salu – Publicado em 27 de Julho de 2020

Não é privilégio do Brasil:

· A saúde se organizou em torno de um sistema de remuneração sem controle de demanda (Fee for Service) que privilegia a organização de comissões que têm foco na realização dos procedimentos, e não na cura, no bem estar dos pacientes, na prevenção de doenças ...

· Mas no Brasil temos um excesso de regulamentações que “dramatizam” este foco, como em poucos países do mundo;

· Uma regulação extremamente burocrática onde é mais importante o registro da periodicidade das reuniões das comissões do que o resultado que eles deveriam produzir para a assistência à saúde;

· Por exemplo: um estabelecimento é acreditado se tiver uma comissão de prontuários que se reúne regularmente, mesmo que os prontuários sejam “um depósito de lixo digital” com milhares de evoluções produzidas na base do “copia e cola em prontuários eletrônicos” !

Do que estamos falando ?

(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil – Edição 2020

Em 2019 o CNES contabilizou 83.239 comissões especializadas, somando os tipos:

1             Ética Medica

2             Ética de Enfermagem

3             Farmácia e Terapêutica

4             Controle de Infecção Hospitalar

5             Apropriação de Custos

6             Comissão Interna de Prevenção de Acidentes

7             Revisão de Prontuários

8             Revisão de Documentação Medica e Estatística

9             Análise de Óbitos e Biópsias

10           Investigação Epidemiológica

11           Notificação de Doenças

12           Controle de Zoonoses e Vetores

13           Mortalidade Materna

14           Mortalidade Neonatal

15           Padronização de Medicamentos

16           Transplantes de Órgãos

17           Hemoterapia

18           Multidisciplinar de Terapia Nutricional

19           Núcleo de Segurança Do Paciente

Registra uma evolução de 5,8 % em 2 anos:

· Mas considerando que temos mais de meio milhão de estabelecimentos de saúde e que os grandes possuem várias destas comissões;

· Por maior que seja o viés de cadastramento das comissões no CNES, mesmo que existisse o dobro do registrado (é de se duvidar) ... o volume de comissões é “ridículo” perto do que seria adequado existir !

E mais de 40 % se concentra em apenas 2 tipos delas:

· Somente por este gráfico já é possível concluir que existem mais comissões com objetivo centrado nos procedimentos e não no paciente;

· Que fique muito claro que todas as comissões são importantes ... de forma alguma poderíamos pensar que os serviços deveriam abrir mão destas para criar outras de foco no paciente ... a questão não é esta ... trata-se de dar mais foco ao paciente, sem abrir mão do foco nos procedimentos.

Com as regulamentações, e principalmente pela necessidade imposta pelos programas de certificação da qualidade, observamos uma grande evolução nos últimos anos:

· O crescimento foi de quase 260 %;

· Mas não podemos deixar de considerar que na prática muitas delas são meramente burocráticas para “passar na auditoria da avaliadora”. Já vivenciei situações em que neste núcleo são realizadas atividades de discussão de valores de contas, de ouvidoria, de comunicação com a imprensa ... um “show de horror”;

· E não podemos deixar de considerar que 4.200 perto de meio milhão de serviços de saúde, considerando todos os vieses que esta comparação pode ter ... significa que definitivamente o paciente não é o centro da atenção dos serviços de saúde ... não podemos nos enganar !

Se avaliarmos a distribuição % do núcleo de segurança do paciente com algumas das outras fica mais fácil entender:

· Comissão de ética médica, regulamentada em lei há muito tempo, representa 8 % do total;

· Sem polemizar, e sem desmerecer qualquer tipo, a comissão de enfermagem tem mais foco no paciente do que a de ética médica ... existem menos comissões de ética de enfermagem do que de ética médica;

· Observe-se pelo gráfico que Núcleos de Segurança do Paciente representam apenas 5 % do total. Novamente, sem desmerecer as demais, menos que CCIH e Prontuários (centradas na doença) ... menos que a CIPA !!!

É oportuno encerrar com o gráfico que demonstra que o cenário é muito diferente regionalmente:

· Temos uma variação Per Capita de mais de 60 vezes;

· MT totalmente fora da curva, mais por conta da baixa população do que em função do número de comissões estabelecidas;

· Mesmo isolando MT, a variação é de 37,5 vezes entre a UF de menor indicador (Amapá) e a de maior indicador (Rondônia).

Vamos lembrar que só pode haver avanço nos modelos de remuneração alternativos ao Fee for Service se a remuneração exclusivamente por procedimento realizado for ajustada com algum elemento de valor, e o valor sempre está associado a um parâmetro relacionado ao paciente !