Saúde Suplementar é Coisa de Mulher !
Mercado ainda mira no coadjuvante, e negligencia as protagonistas
Enio Jorge Salu – Publicado em 22 de Setembro de 2020
Já há alguns anos as tabulações de beneficiários de planos de saúde apontam as mulheres como protagonistas da clientela, acompanhando as mudanças da sociedade brasileira, mas o mercado de negócios da saúde suplementar ainda não captou a mensagem.
A visão aqui não é a de “guerra dos sexos”, preconceito, reserva de mercado ... não é dessas coisas que se trata ... a questão é que mudanças sociais, culturais, e até religiosas, demandam tempo, mas quem estiver antenado pode agregar um diferencial competitivo importante:
· Minha geração, por exemplo, cresceu com o estigma do “homem da casa” que tem que sustentar a família, das mulheres que abandonaram carreiras e a área acadêmica para cuidar dos filhos ...
· E no mundo, na maioria absoluta dos países, esta ainda é a realidade;
· E mesmo no Brasil, esta regra ainda vale em diversas regiões.
O reflexo das mudanças é facilmente percebido no perfil dos beneficiários da saúde suplementar, onde o número de mulheres beneficiárias de planos de saúde são maioria, e a maioria não é uma situação momentânea – é tendência comprovada em números.
(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil – Edição 2020
Mulheres são 52,6 % do total de beneficiários de planos de saúde no Brasil:
· Aqui contamos os titulares e os dependentes !
Como tudo na saúde suplementar, o índice varia regionalmente:
· Mas apenas em uma UF (MT) o índice é menor que 50 %;
· Em todos os outros o % é maior que 50 %, chegando a 55,2 % no Acre – uma diferença de mais de 10 % em relação aos homens;
· O município que apresenta o menor índice é Vitória do Xingu (PA) e os que apresentam maiores índices são Senador Rui Palmeira (AL) e Barra D’Alcântara (PI);
· Para que se tenha uma referência, na Cidade de São Paulo são 53,4 % de mulheres beneficiárias, e em Porto Alegre 54,3 % !
Os gráficos ilustram a distribuição percentual escolhendo ao acaso Goiás e Santa Catarina:
· Este perfil se repete em praticamente todas as UFs.
Quando analisamos os gráficos segregando titulares e beneficiários, se não tomarmos o devido cuidado, podemos incorrer em grave erro – a menor parcela de titulares do sexo feminino tem vieses importantes:
· É muito maior a parcela de dependentes pais do sexo feminino do que masculino, porque homem morre mais cedo – não se cuida;
· Já entre os filhos há equilíbrio;
· Portanto existe um % importante de mulheres das faixas etárias superiores que nunca foram titulares, sempre foram dependentes, e vão continuar sendo porque estão em elevada faixa etária.
Basta analisar os gráficos que tabulam o % de titulares e dependentes por faixa etária destas mesmas UFs para perceber:
· Nas faixas etárias menores o % de homens é maior;
· Mas já a partir da faixa etária dos 26 anos os % das mulheres são maiores, e muito maiores acima dos 61 anos.
A questão que se coloca:
· Se existe seguro de carro mais barato para mulheres, porque elas são menos agressivas ao volante e mais cuidadosas, gerando menos sinistros;
· Por que não existem planos de saúde mais baratos para mulheres, já que elas se cuidam mais, portanto geram menos volume de sinistros na alta complexidade, e vivem mais, ou seja, são clientes por mais tempo das operadoras ?
Por favor não cite a “aberração” dos planos com e sem obstetrícia comercializados com o aval da ANS ... me poupe de comentar esta regulação absurda que faz com que milhões de beneficiários paguem mais caro por um plano com obstetrícia sem nunca terem demandado parto para a operadora ... ao deixarem estes planos, se nunca demandaram parto deveriam ser ressarcidos ... vamos falar de coisa séria !
Talvez este produto plano de saúde feminino não exista porque as protagonistas ainda estão distantes do domínio da gestão da saúde no Brasil:
· A maioria absoluta dos cargos de maior escalão nas operadoras de planos de saúde são ocupados por homens;
· A maioria absoluta dos cargos de maior escalão nos hospitais que atendem saúde suplementar são ocupados por homens;
· Então fica mais difícil colocar na agenda o desenvolvimento de produtos específicos para a maior parcela da clientela ... um grande paradoxo !!
Vamos só abrir parênteses ... seria injusto não citar que isso é privilégio da saúde suplementar e não na área pública ... não é verdade:
· Veja que o Governo Federal tem 23 ministros, e apenas 2 são mulheres. Teve 3 ministros da saúde (até agora) ... todos homens !
· Para não ficar a impressão de que existe alguma tendência partidária no comentário ...
· ... no Estado de São Paulo, gerido por partido político adversário: 24 secretários, apenas 5 mulheres ... 2 secretários da saúde (até agora) ... ambos homens !!
· ... e mesmo nas vezes em que a Cidade de São Paulo foi comandada por mulher (prefeita), de outro partido opositor ao do atual Presidente e Governador do Estado, a secretaria da saúde não foi comandada por mulher !!!
Nenhuma crítica aos que ocupam o cargo de ministro, secretário de estado da saúde, secretário municipal de saúde ... muito pelo contrário são pessoas que tenho o maior respeito e admiração profissional, alguns com quem convivi profissionalmente ... apenas a constatação de que mesmo nos cargos de comissão dos governos, a “conserva cultural” ainda é dominante.
E isso não ocorre pela falta de capacidade:
· Nas aulas de turmas de pós graduação que tenho ministrado nos últimos 10 anos (“pra mais”) a maioria absoluta dos alunos ... mulheres;
· Nos cursos que ministro pela minha empresa a maioria absoluta dos participantes ... mulheres ... basta ver na página dos certificados emitidos para aferir se estou mentindo;
· E nas últimas etapas da jornada da gestão da saúde as mulheres, além de terem sido maioria absoluta, em 89 % dos casos custearam seu curso – não foram cursos pagos pela empresa que trabalham ... quer maior indicativo de que, na média, as mulheres investem mais na sua capacitação e estão muito mais capacitadas do que os homens para gerir a saúde ?
Por isso a afirmação de que este cenário não é momentâneo ... é tendência !