8 Grandes Razões para Acreditar na Tendência de Redução dos Planos Coletivos de Saúde

As Relações Trabalhistas Vão Mudando e o Perfil dos Planos de Saúde Naturalmente Vai Acompanhando, mesmo na Autogestão

Enio Jorge Salu – Publicado em 27 de Setembro de 2020

 

 

O benefício Plano de Saúde é para os funcionários de empresas de qualquer parte do mundo o de maior valor, porque o custo da saúde aumenta proporcionalmente à evolução da medicina.

O plano coletivo de saúde no fundo é um modo do governo amenizar sua falta de competência em prover saúde para a população, distribuindo o risco com as empresas que empregam os trabalhadores. Existe perversidade nisso porque as empresas existem para entregar seus produtos para a sociedade, explorando a atividade comercial e pagando tributos ao governo para isso. E vamos lembrar que no sistema tributário brasileiro, mesmo as empresas que vivem na total informalidade, que não preservam as relações trabalhistas definidas na CLT, e até as que agem de forma ainda mais ilegal, pagam tributos quando compram seus insumos ... e não são poucos.

Plano coletivo é um dos maiores argumentos em negociações sindicais: sindicatos sobrevivem basicamente com o discurso da proteção dos empregos e do benefício plano de saúde. Na prática atualmente nenhuma outra atividade dos sindicatos é tida pelo trabalhador como algo que valha o custo benefício da contribuição.

Quando surgiu existiam fortes razões para as empresas sentirem na concessão do benefício algo que lhe dava retorno ... isso já mudou muito, está mudando e vai mudar ainda mais. É isso que vale a pena discutir: se o patrocinador (a empresa) não vê retorno real na concessão, e se torna refém de um gasto, associa o benefício a um tributo ... mas não obrigatório !

Vamos começar recordando como era a relação trabalhista nos primórdios da consolidação das leis do trabalho (CLT):

·         Meu pai (já com Deus há algum tempo), por exemplo, trabalhou 35 anos na mesma empresa até se aposentar. Este era o sonho de consumo dos trabalhadores: estabilidade no emprego, chance de crescimento, até o momento em que teria direito ao seu merecido descanso, recebendo em troca de uma contribuição de 35 anos ao governo, uma aposentadoria que permitia até mesmo trocar de carro (popular) a cada 5 anos;

·         A maioria das pessoas não faz a menor ideia de como eram as condições de trabalho, por exemplo, na tecelagem que meu pai trabalhava como chefe de tinturaria: calor insuportável, inalando produtos químicos, despejo de resíduos na sarjeta, nenhum equipamento de segurança ... a doença que aos poucos foi afetando meu pai até o levar a óbito, pouquíssimo tempo após a aposentadoria ... totalmente relacionada ao trabalho;

·         O sistema de saúde antes do SUS era absolutamente precário. Campanhas de vacinação eram coisas que liamos sobre isso em enciclopédias, não existiam ações de prevenção e promoção à saúde ... propagandas de televisão enalteciam a imagem do fumante, como ainda fazem hoje as de bebidas alcoólicas, e a população, sem opção, só procurava os serviços de saúde quando já estavam em situações praticamente irrecuperáveis. A maioria dos diagnósticos não eram precoces, muito pelo contrário, eram obtidos nas autópsias;

·         Como havia escassez de mão de obra qualificada em praticamente todos os segmentos de mercado, as empresas (que podiam, e tinham alguma visão de planejamento, que também era coisa rara), enxergavam a concessão do benefício plano de saúde como uma forma de evitar a perda de talentos, os altos índices de absenteísmo em consequência de doenças;

·         O plano de saúde dava como retorno a estabilidade na relação com o funcionário que ela desenvolveu. Para não perder o investimento que fez na sua capacitação – não podia depender de uma saúde pública inexistente, nem nos serviços de saúde privados que eram de profissionalização precária ... nem se falava em medicina baseada em evidências !

Este era o pano de fundo que impulsionou o mercado de planos de saúde coletivos – totalmente diferente do atual.

 

(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil – Edição 2020

 

A evolução criou regulação para 6 tipos de contratação, na ANS:

·         Das 6, 3 são abstrações – existem só para dar emprego aos burocratas – não representam 0,1 % do total. Vamos esquecer para não ficarmos nervosos comentando;

·         Os 3 tipos que importam são o coletivo empresarial, o coletivo por adesão e o individual.

Coletivo Empresarial embarca 70 %:

·         Este indicador já foi maior, e reduziu em função do Coletivo por Adesão;

·         Isso já sinaliza uma tendência de redução dos planos coletivos, porque Coletivo por Adesão é um “me engana que eu gosto”;

·         Adesão em sua maioria absoluta é individual disfarçado de coletivo;

·         Pessoas adquirem o coletivo por adesão se enquadrando em associações que fizeram parte e já não fazem mais, ou mesmo nunca fizeram parte. Tem adesão para pessoas que algum dia estiveram vinculados como beneficiários do “Sistema S” ... é brincadeira !

 

 

Vemos que existem UFs em que os coletivos não chegam nem à metade do total:

·         Se pegarmos o Amazonas, por exemplo, tem indicador elevado por conta da grande quantidade de empresas da Zona Franca, multinacionais, que precisam reter mão de obra qualificada não tão disponível lá como em outras UFs;

·         Os fatores que mantém os planos coletivos estão mais relacionados à ausência de oferta de mão de obra qualificada em regiões que concentram grandes empresas, e das empresas públicas que operam autogestão.

 

 

Quebrando as amarras do coletivo, o individual disfarçado de Coletivo por Adesão vai ocupando espaço cada vez maior em mercados importantes:

·         Já representa mais de 17 % no RS e no RJ;

·         E em SP que tem estrutura sindical gigante perto das demais UFs, já está em torno de 9,5 %. Apesar de percentualmente menor que RS e RJ, em número absoluto já soma quase 2,5 milhões de beneficiários !!!

 

 

A cultura do individual é mais presente nos mercados com menor oferta de emprego formal:

·         Mas não podemos nos enganar ... em SP são quase 16,5 %, ou seja, mais de 4,2 milhões de beneficiários – quase 10 % do total geral da saúde suplementar no Brasil, só em SP;

·         No RJ (lembre-se da enormidade de empresas públicas) são mais de 17 % ... em GO (lembre-se do entorno de Brasília), mais de 24 % !

São, pelo menos 8, as importantes razões para a gradativa redução futura dos beneficiários de planos de saúde coletivos para os individuais.

1             O tempo de vínculo do funcionário com a empresa é cada vez menor

·         Mesmo no caso de funcionários públicos concursados, diminuiu a abrangência de dependentes e aposentados. As empresas públicas também reduzem a oferta para estagiários e agregados, porque já não têm mais de onde tirar dinheiro para bancar os inativos;

·         E ao sair do emprego a chance de obter um novo emprego em empresa que concede o benefício é cada vez menor;

·         Por isso a média de permanência do beneficiário em planos de saúde não chega a 5,5 anos. Se não fossem os das autogestões, esta média seria ainda menor !

2             O SUS melhorou

·         Apesar da mídia só criticar, porque elogiar algo no Brasil não dá audiência na TV, Rádio e Redes Sociais, as empresas se preocupam cada vez menos com a falta de serviços de prevenção, promoção e assistência à saúde;

·         O SUS cobre vacinação, ações de prevenção e fornecimento de medicamentos que não estão no Rol da ANS ... e realiza quase 5 vezes mais cirurgias do que as pagas pelas operadoras;

·         As empresas não se sentem mais tão reféns do sistema público de saúde para garantir a saúde dos seus funcionários como antes;

·         Tanto é verdade que as operadoras pagam elevados ressarcimentos ao SUS pelo fato dos seus beneficiários utilizarem a rede pública de saúde ... contra os números não há argumento !

3             Empresas não querem financiar a saúde, responsabilidade do governo

·         O modelo de reajuste dos planos coletivos em função da sinistralidade torna a empresa uma mini gestora da saúde pública;

·         Ela já paga tributos que variam em função do lucro, do faturamento, da folha de pagamento ... não quer pagar algo que varie em função de doenças que não surgem em função da atividade dela.

4             Empresas não querem participar da gestão da saúde dos funcionários – é algo que não dominam

·         O negócio da maioria absoluta das empresas que fornecem planos de saúde para seus funcionários não é saúde. Diga-se de passagem, a maioria absoluta das empresas do segmento da saúde não fornece plano de saúde para seus funcionários;

·         Realizar atividades que não são o “core business” da empresa, administrando planos de saúde e/ou gerindo a relação de sinistralidade com a operadora não é algo que está na lista de atividades preferidas dos gestores das empresas ... e custa muito caro só a estrutura de controle;

·         Odeiam questões como coparticipação, regras de desconto em folha ... por isso migram para Ajuda de Custo Fixa, Cooperativa de Funcionários, Previdência Especializada ... qualquer coisa que tire da frente questões relacionadas ao risco da sinistralidade nas discussões do “board”.

5             A relação de emprego CLT está cada vez menor

·         Boa parte, tanto de empresas como de trabalhadores, já concluiu há algum tempo que esta relação dá mais benefício para o governo e o sindicato, do que para eles;

·         A relação PJ, a terceirização com empreendedores e a informalidade crescem em ritmo muito maior que a expansão da oferta de vagas “com carteira assinada” já há alguns anos;

·         É uma tendência irreversível, em todo o mundo.

6             O envelhecimento da população aumenta a necessidade de planos individuais

·         Com mais empresas reduzindo o benefício e/ou vínculo vitalício para seus funcionários aposentados, de uma forma ou de outra eles vão para planos individuais, ou como dependentes de familiares;

·         Uma hora ou outra, a migração para o individual entra na agenda da maioria ... é somente uma questão de tempo, e quanto mais velha fica a população, aumenta a probabilidade.

7             O cliente do plano individual é mais fidelizado

·         Operadoras já perceberam há anos que a regulação dos planos coletivos é melhor nos curto e médio prazos, mas é pior nos médio e longo prazos;

·         Operadoras “mais antenadas” já começaram a desenvolver planos individuais mais atraentes;

·         O cliente individual fica no plano muito mais tempo: algumas operadoras já “nadam de braçada” ofertando planos individuais específicos para terceira idade !

·         E com o cliente mais fidelizado é mais fácil desenvolver projetos de remuneração baseados em valor.

8             A nova geração não tem os mesmos valores de nós, os “jovens há mais tempo que eles”

·         Não sei se é bom ou ruim, mas o fato é que não querem trabalhar 35 anos na mesma empresa e se aposentar;

·         Preferem andar em veículos de aplicativos do que ter um carro, um imóvel ... não se dispõem a fazer longas dívidas para pagar estes ativos que obrigam a ficarem “quietinhos engolindo sapos” em um mesmo emprego por muito tempo;

·         Neste cenário, para eles fica muito mais cômodo empreender, ter vínculo PJ, e pagar o plano de saúde que julga ser melhor e não o que “o pessoal do RH da empresa” diz que é !

·         Não têm “cordão umbilical preso com empresas” ... são consumidores natos de planos individuais !

E poderíamos elencar pelo menos mais uma dúzia de razões para acreditar na redução dos planos coletivos de saúde.

A questão que fica é o quanto as operadoras de planos de saúde estão realmente atentas ?