Brasil não Entende Saúde Como Protagonista para Crescimento Econômico
Por Mais Que os Números Demonstrem, Políticos não Aprendem
Enio Jorge Salu – Publicado em 6 de Outubro de 2020
A Profa. Ellen Bergamasco me deu novamente oportunidade de ministrar aula na Faculdade Einstein em uma turma de pós graduação de Auditoria, na disciplina Sustentabilidade Econômica dos Serviços de Saúde.
Para discutir o tema é sempre importante, uma vez que os alunos em sua maioria vêm da área assistencial, iniciar passando uma visão do que é o mercado da saúde, quais são os principais atores, o tamanho das empresas, as diferenças regionais ... enfim, não adianta discutir como fazer o bolo quando não se sabe nada a respeito dos ingredientes ... e neste caso é uma receita bem complexa ... sempre brinco perguntando para os alunos: com tanta área para se trabalhar em gestão, por que vocês foram escolher a mais complexa ?
Falando somente em assistência médica ... sem citar a odontológica:
· No Brasil temos ~ 700 mil serviços de saúde e ~700 operadoras de planos de saúde ... alguns se espantam ao saber que para cada operadora existem 1.000 serviços de saúde;
· A maioria absoluta, tanto operadoras como serviços de saúde, pequenas empresas que não têm a capacidade de gestão que gostariam de ter ... não têm a capacidade de gestão que pessoas teimam em pensar que eles têm, diga-se de passagem;
· Uma minoria de grandes (muito grandes) empresas pode discutir temas mais avançados como modelos de remuneração, qualidade assistencial ... e sustentabilidade;
· Quase 100 % vive conforme as cartas vão sendo distribuídas, porque saúde é uma excelente oportunidade de negócios ... para quebrar uma empresa de saúde é necessário ter muita força de vontade, ou total negligencia na gestão ... ou acasos pandêmicos como o COVID-19.
Se considerarmos que além de serviços de saúde e operadoras de planos de saúde existem:
· O SUS e todos os seus órgãos reguladores, conselhos, secretarias estaduais de saúde, secretarias municipais de saúde, institutos ...;
· Intermediadores (administradoras de benefícios, corretoras, cartões de desconto ...);
· Fabricantes, distribuidores, representantes ... de medicamentos, materiais, OPME, equipamentos ...
· Prestadores de serviços especializados de lavanderia, nutrição, segurança, transporte ...
· Conselhos, associações e colégios de médicos, enfermagem, nutrição, fisio, fono ...
· Sindicatos patronais e profissionais ...
· E incluirmos toda a cadeia de valores da odontologia ...
· ... estimamos seguramente um mínimo de 3 milhões de empresas/instituições no segmento.
Imagine quantos empregos geram:
· A empresa mais simples que está imaginando (um consultório) tem ali o médico/dentista, recepcionista, faxineiro ...;
· Hospitais médios geralmente mais de 2.000 funcionários;
· Somente o Complexo Hospital das Clínicas de São Paulo, mais de 16.000 !!!
Este é o quadro das maiores empresas do mundo que mostrei aos alunos:
· Não é das maiores empresas da área da saúde ... é de todos os tipos de empresas do mundo;
· Entre as 50, 12 atuam somente no segmento da saúde, ou a saúde é parte importante do seu negócio;
· Saúde é um segmento que movimenta muito dinheiro em qualquer canto do mundo;
· Mas não vemos na tabela das 50 maiores do mundo alguma operadora de planos de saúde, ou algum hospital ... não vemos nas 100, nas 1.000 ... uma característica do segmento é a de que quanto mais longe do paciente estiver, maior a empresa, e maior o lucro ... reforçando a premissa de ser um segmento de maioria absoluta de empresas pequenas e minoria de grandes, com as grandes sendo muito grandes !
É claro que onde tem muito dinheiro sempre tem gente esperta, que rouba, frauda :
· Nossa sorte é que é uma minoria ... tudo bem que esta minoria faz um estrago danado ... mas graças a Deus é minoria;
· Na discussão sobre auditoria e sustentabilidade, tema da aula, não canso de enfatizar que atuar em gestão no mercado da saúde achando que todas as empresas estão querendo tirar vantagem sobre a sua, que fornecedor é ladrão, que hospital rouba nas contas, que operadora não quer pagar o que deve ... assim a carreira na gestão é curta, porque a realidade não é esta;
· São empresas que dependem umas das outras, só existem porque as outras existem, e dentro das leis e das regulações dos órgãos e entidades de classe tentam aproveitar ao máximo a oportunidade que o mercado lhes dá;
· É certo que existem empresas que atuam “vendendo vapor”, se aproveitando da falta de conhecimento do gestor sobre o papel da empresa no mercado e do próprio mercado para tentar colocar na agenda de empresas pequenas temas que só aderem às grandes ... por sorte também são poucas porque o tempo desmascara os aproveitadores “do medo do além” ... “do agora dizem que” ... “lá nos EUA” ...;
· Auditoria é particularmente útil para conduzir a empresa para não tentar aderir aos mesmos padrões de qualquer outro tipo de empresa, em qualquer região do Brasil ... Brasil, uma comunhão de países em um só ... a habilidade do auditor é medida na calibração da flexibilização que deve ser adotada “no mundo real” em relação aos “padrões do mundo ideal” !
Sempre chamo a atenção também:
· Não temos sistema de saúde no Brasil. Nenhum sistema que esteja preocupado com a saúde da população. Exemplifico que, como cidadão e beneficiário de um plano de saúde, em meio a uma pandemia que coloca pessoas acima dos 60 anos em situação de doença respiratória grave, nem o SUS nem a operadora de planos de saúde se preocupou em saber se tomei vacina para gripe, se tomei vacina contra pneumonia ... !
· Não existe qualquer tipo de sistema que esteja monitorando a saúde das pessoas, nem no âmbito público, nem no privado.
Na verdade temos 3 sistemas de financiamento da saúde:
· O público (SUS);
· A saúde suplementar regulada pela ANS que têm a ver com operadoras de planos de saúde
· E a saúde suplementar não regulada, que não tem a ver com as operadoras;
· O menor deles é o regulado pela ANS.
Para atuar na gestão com foco na sustentabilidade é necessário conhecer minimamente os 3, porque estão completamente interligados:
· Tanto em relação aos serviços privados que prestam serviço ao SUS, como os públicos que atendem pacientes da saúde suplementar;
· Como em relação ao ressarcimento das operadoras ao SUS;
· Como em relação aos particulares aproveitando oportunidades nos mutirões do SUS;
· E mais uma série de razões que não permitem mais que alguém diga “atuo somente na área privada” ou “atuo somente na área pública” !
O que sempre deixa chateado é constatar que os governos - não me refiro especificamente a estes que estão agora no poder, federal e/ou estadual e/ou municipal agora ... me refiro a todos que conheço desde criança – só veem a saúde como uma obrigação:
· Fazem estritamente o que a lei manda – é para gastar no mínimo 12 %, então gasta no máximo 12 % para satisfazer a lei ... a fila para mamografia está grande, então vamos comprar mais 1 mamógrafo e depois vemos se precisamos de mais, para satisfazer a pesquisa eleitoral ...
· Nunca vemos um plano de governo que dê um horizonte de organização coordenada do segmento, projetando o que será feito em função do que é previsto em ações ativas;
· Sempre ações reativas ao problema que já surgiu;
· E ainda ameaçando descontinuar programas (como o da farmácia popular) que demorou anos para ser estruturado, e trouxe um resultado que centenas de países elogiam !
Na pandemia milhares de pequenas empresas, fundamentais para a saúde, começaram a enfrentar enorme dificuldade de sustentabilidade porque tanto no SUS como na saúde suplementar os procedimentos eletivos reduziram:
· Nenhuma ação dos governos foi direcionada para mitigar os efeitos;
· Como sempre os empreendedores da área da saúde têm que se virar sozinhos;
· Vimos apoio governamental para comércio de supérfluos, bares que vendem bebidas alcoólicas e cigarros, futebol ... e nada para a infinidade de consultórios, clínicas ... nada para a economia da saúde !
A saúde vai se desenvolvendo sem que o Brasil entenda o potencial econômico envolvido:
· Como vimos no quadro, os países que investiram realmente no segmento têm as maiores empresas farmacêuticas do mundo, e um grau de dependência muito pequeno em relação aos demais em tudo que se refere à saúde;
· Independente de qual seja “o sotaque da vacina” que vai ganhar a corrida de aprovação, e que vamos tomar contra a COVID-19 aqui no Brasil, vamos pagar uma fortuna em royalties para uma multinacional, porque o Brasil nunca investiu em desenvolver este importante segmento junto às empresas nacionais. O governo do país fornecedor vai ganhar uma fortuna em tributos sobre os royalties, que vamos pagar especialmente com a arrecadação dos tributos daqui – na prática pagamos tributos para outros países;
· Exatamente como acontece com automóveis ... quanto financiamos os países donos das montadoras dos veículos que utilizamos aqui por quase 100 anos ?
No começo da crise sentimos na carne ter abandonado o incentivo para empresas nacionais que fabricam máscaras e respiradores:
· Quantas pessoas morreram por falta de respirador e de EPI no início da pandemia ?
· Passado o momento mais crítico, após pagar uma fortuna importando insumos que não tem nenhum segredo para fabricar ninguém mais fala do assunto;
· Quando surgir uma nova epidemia que necessite de outro tipo de insumo vamos “ajoelhar de novo” para ver se a China e a Índia podem nos vender o que necessitamos ?
É uma pena que às vésperas da eleição nada de novo esteja sendo discutido em relação ao segmento que poderia ser a âncora de um enorme crescimento econômico no Brasil. Se temos 3 milhões de instituições, quem sabe 10, 11 milhões de empregos diretos e indiretos, quantos empregos seriam se a saúde fosse realmente programa de governo e não plataforma política ?
Agradecimento para a Profa. Ellen pela oportunidade de discutir sustentabilidade dos serviços de saúde com os gestores que vão contribuir para modificar este cenário no futuro !
E vou pedir licença para fazer um elogio: foi a primeira aula presencial que ministrei desde o início da pandemia. O Einstein inovou (mais uma vez) com turmas híbridas (presencial e EAD simultaneamente), e não posso deixar de comentar o cuidado que teve para prover segurança aos professores e alunos ... tudo, absolutamente tudo, que poderia ser feito em termos de protocolo de segurança foi aplicado ... nada de protocolo para inglês ver ... me senti totalmente seguro !!!