Tentando Evitar que 2020 Seja a Pá de Cal na Remuneração Baseada em Valor
Pandemia, Falta de Conhecimento e Oportunismo: Sinistra Combinação Que Mais Prejudicou Projetos de Modelos Alternativos ao Fee for Service
Enio Jorge Salu – Publicado em 11 de Outubro de 2020
Estamos iniciando nesta semana a penúltima etapa da gestão em saúde do ano com os cursos de introdução à auditoria de contas e pacotes, que protagonizaram as dezenas de inscrições motivadas pela desesperança dos gestores com o progresso dos projetos de modelos de remuneração alternativos ao Fee for Service.
É fácil entender:
· Depois de alguns anos de discussão estamos às vésperas de encerrar mais um com raros projetos realmente sérios em operadoras e serviços de saúde;
· Muito discurso e pouca prática ou discurso diferente da prática ... a velha prática “embromation”
· Como o assunto “não anda” os gestores se preocupam em desenvolver melhor a habilidade de análise das contas de alta complexidade, e o desenvolvimento de pacotes que sejam realmente viáveis.
É evidente que a pandemia atrapalhou alguns projetos, mas na verdade:
· Passamos o ano vendo dezenas de live’s sobre o tema conduzidas por pessoas que nunca atuaram na gestão de operadoras e de serviços de saúde, disseminando conceitos de forma equivocada, e sugerindo práticas que jamais vão aderir à saúde suplementar da forma como eles apresentam. Raríssimas live’s foram realmente úteis: a maioria absoluta foi de péssimo conteúdo, aplicação e viabilidade. Você entrava e via um monte de gente que acabava saindo ou deixando uma foto, para não passar por indelicado;
· E mais uma vez vi projetos rotulados como remuneração baseada em valor, mas quando “aproximei a lupa” ... projetos que “forçam a barra” em relação à precificação e penalidades ... já fracassaram, ou vão fracassar ... ou pior, vão gerar crises de elegibilidade e seletividade que prejudicarão a cadeia de valores inteira, principalmente e infelizmente, o paciente.
Nunca vi tanto interesse dos gestores em entender os fatores de sucesso para o desenvolvimento de pacotes:
· Tanto os das operadoras de planos de saúde, como os dos serviços de saúde;
· Tanto as contas do tipo pacote, como os pagamentos em pacotes para melhoria dos cuidados.
Esta última a diferença básica, que por mais incrível que possa parecer, uma legião de gestores ainda não desenvolveu conhecimento adequado:
· Ainda temos muitos gestores que pensam que conta tipo pacote é diferente de fee for service;
· E ainda temos muitos gestores que pensam que Modelos de Compartilhamento de Riscos e de Remuneração Baseada em Valor são incompatíveis com contas abertas;
· Ou seja, ainda temos muitos gestores despreparados e por isso os projetos têm alta chance de fracasso ... a história está mostrando que enquanto o conhecimento básico não evoluir, eles continuarão fracassando.
Não é viável aqui descrever tudo que envolve o tema, mas gostaria de enaltecer alguns pontos de atenção para viabilizar projetos de remuneração baseada em valor e pacotes ... em ordem de importância:
· Não utilizar conceitos desenvolvidos com inserção de “valor”, como instrumento de pressão de preço. Projetos de CR e RBV existem para reduzir o custo do sistema nos médio e longo prazos, e não o preço de um procedimento no curto prazo. Veja a origem do assunto, onde surgiu, por que surgiu e as suas premissas – não acredite em milagres e em pessoas que têm um bom discurso, mas nenhuma experiência prática real;
· Não negligenciar fatores epidemiológicos da carteira de pacientes envolvidos. Sempre lembrar que se a base de preços é a mesma e os valores das contas abertas variam, é porque o produto não é o mesmo. Tentar utilizar forma de apresentação de contas misturando produtos diferentes para padronizar preços é perda de tempo;
· Não negligenciar fatores regionais. Não pagamos o mesmo preço em todo o Brasil pelo leite, pela gasolina, pelo refrigerante, pelo pão ... por que o produto saúde pode ser diferente ? Nem mesmo em regiões de um mesmo Estado isso ocorre. Tentar tabelar preços sem considerar a geografia econômica é perda de tempo;
· Não confundir sistema de controle de custo, especialmente aplicação de DRG como padrão para método de custeio, com modelo de remuneração baseada em valor, ou modelo de precificação. É perda de tempo ... e ainda vai perder também muito dinheiro !
Nesta etapa da Jornada terei a oportunidade de discutir os temas durante as próximas 3 semanas, e por coincidência recebi convite da Profa. Ellen Bergamasco para ministrar aulas na turma de pós da Faculdade Einstein sobre Modelos de Remuneração, o que sempre me dá muito orgulho, que também iniciam nesta semana.
Tenho comigo que esta “febre” de discussão de modelos alternativos de remuneração ao Fee for Service e de formas de apresentação de contas deverá continuar no ano que vem, e a convicção de que quanto mais gestores tivermos dominando o tema sem viés da fonte pagadora, do serviço, do prestador ... é a chance de impedir que 2020 tenha sido o ano da “pá de cal” na RBV no Brasil !