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Impacto das Mudanças do ICMS nos Pacotes, Repasses do SUS e Modelos Alternativos ao Fee For Service
0136 – 27/01/2021
Aos cuidados de: «Nome» «empresa» «depto» «cargo»
Referência: Jornada da Gestão em Saúde
Primeiro preciso “me desgraçar” ao reafirmar que sou contra qualquer tipo de incentivo fiscal:
· As pessoas odeiam quando falo isso em minha atividade profissional, em aulas, seminários;
· É que fui por muito tempo executivo de instituições que gozavam de incentivos fiscais e nunca achei justo, porque conhecia uma infinidade de outras que necessitavam mais disso do que elas e não tinham ... o incentivo acaba criando um cenário de concorrência desleal;
· Nada contra as instituições que admiro e tive a honra de ajudar a desenvolver ... oportunidades como incentivos fiscais são para serem aproveitadas ... se não existe nada ilegal ou imoral não há razão para crítica;
· Mas tenho convicção que se o governo deseja auxiliar, pode fazer isso de outras formas, diretamente e de forma mais transparente, e não com incentivos fiscais que não dão visibilidade real de tudo que acaba ocorrendo;
· O governo pode dar auxílio financeiro direto, fornecer insumos, prestar serviços, capacitar, estabelecer convênios ... assim podemos ter a noção exata de quem recebe o incentivo ... de quanto é;
· O incentivo fiscal desregula a igualdade da aplicação do dinheiro público ... dinheiro que, se arrecadado, iria para um lugar ... não arrecadado vai para outro desequilibrando a distribuição original dos tributos arrecadados.
Mesmo sendo criticado ao dizer isso ... isso posto ... já que as coisas são assim e não da maneira como eu acho que deveriam ser ... vamos entender o que acontece na cadeia de valores quando se alteramos alíquotas de ICMS, alteramos ou extinguimos isenções.
Proponho não discutir aqui especificamente a recente proposta de ajuste do ICMS no Estado de São Paulo ... gostaria de discutir de forma genérica ... um ajuste de tributos de forma geral !
É importante ressaltar que nem tudo que está associado ao procedimento é classificado tributariamente como "insumo médico" ... utilizando a planilha como exemplo:
· Ela simula uma situação em que existem incentivos para determinados insumos que o serviço de saúde adquire;
· É uma simulação de um procedimento ... cada procedimento tem sua planilha diferente em função do empenho de insumos ... não se utiliza os mesmos medicamentos em todos os procedimentos, não se utiliza a mesma mão de obra ... então a matriz pode ser muito diferente de um procedimento para outro ... mais ou menos “agravada” em relação a carga tributária;
· Nesta situação o serviço de saúde gasta 3.000 para entregar o procedimento para a fonte pagadora, vende por 5.000, paga 1.000 de tributos sobre venda, e o produto deixa uma margem de contribuição de 1.000 (o que fica no bolso do serviço para pagar suas outras contas e sobrar um pouco para “depositar no porquinho”;
· Supondo que a isenção do ICMS acabe, ao fazer o cálculo no novo cenário a margem de contribuição do produto cairia para 730,00 ... uma queda de 27 % em relação à margem anterior;
· Para que o serviço de saúde mantenha a mesma margem, tem que ajustar o preço em 6,75 % !
Por isso, quem já participou de algum projeto comigo, ou teve aula comigo sobre qualquer disciplina de gestão em saude, me odeia de tanto que eu falo repetidas vezes para tomarem cuidado com os tributos ... que eles podem inviabilizar o negócio ... que dependendo da situação o cenário pode mudar completamente ... veja este caso:
· O serviço de saúde continua “produzindo o produto da mesma forma”;
· Se o governo altera a carga tributária e ele continua vendendo pelo mesmo preço, poderá ter um grande problema.
Imagine que ele vendia por 4.000, e não por 5.000, como demonstra o quadro:
· Tinha margem de 200,00;
· Mas com o ajuste passa a “pagar” 70,00 para fazer o serviço para o cliente !
Na verdade, quanto maior for a participação dos insumos que têm suas cargas tributárias alteradas na matriz de custo, maior será o reajuste que o serviço de saúde terá que fazer para compensar:
· Simulando uma conta que só tem produtos associados ao ICMS, que não existia;
· Passou a existir ... o preço final deve ser majorado em 16,5 % para manter a mesma margem !
O maior trabalho que o gestor tem, seja o fornecedor de insumos, seja a operadora da planos de saúde, seja o serviço de saúde, é que não se pode definir um índice de reajuste para equilibrar a margem para todos os produtos ... para cada um, ou para cada grupo, o índice para ajustar o ponto de equilíbrio é diferente !
Nas contas abertas, se os insumos físicos estiverem associados diretamente ao Brasindice, à Simpro, aos 3 orçamentos ... fica mais visível o quanto deve-se reajustar o preço:
· Nos pacotes será necessário utilizar a metodologia adequada que utilizamos na análise de custos e precificação para “clarificar” o que deve ser feito;
· Vamos lembrar que a maioria dos pacotes implantados por pressão da operadora são para fugir dos reajustes de MAT/MED, especialmente OPME;
· E vamos lembrar que na alta complexidade existe “muito dinheiro” na conta que não é do serviço de saúde ... é de terceiros .. será repassado para o médico, o dentista, o fornecedor.
O ponto de atenção para o gestor de saúde da área privada e da área pública no momento é alinhar os preços de venda ao novo cenário ... e com maior atenção para os pacotes negociados entre serviços de saúde e operadoras de planos de saúde, e o que se deve manter na matriz de oferta de produtos do serviço de saúde ao SUS, que vai continuar pagando o mesmo preço.
Financeiramente pacotes são benéficos para operadoras de planos de saúde:
· Sempre reduzem a margem de contribuição para os serviços de saúde ao longo do tempo;
· Mas nem sempre inviabilizam negócios para os serviços de saúde;
· Neste momento os serviços de saúde devem aplicar a técnica adequada para avaliar custos e preços de pacotes para não “pagarem pelo serviço”;
· Ao mesmo tempo as operadoras devem aplicar a técnica adequada de definição de pacotes para não ficar sem rede para suprir a demanda ... como sempre dizemos ... pior que não ter credenciado, é não saber que a rede aplica seletividade e elegibilidade para negar atendimento, pagar multas para a ANS, indenizar na justiça, perder beneficiário ...
Separar o dinheiro que é do serviço de saúde, do dinheiro que não é dele e será repassado para terceiros, quase que automaticamente vai separar os insumos com cargas tributárias diferentes:
· Quem já teve contato com a técnica sabe que não separa completamente;
· Mas o que sobra em relação ao total é pouco ... se não tiver condições de “esmiuçar” a planilha de análise de precificação e preços de pacotes para separar absolutamente tudo, só esta separação já permite análise com razoável segurança.
É claro que os outros aspectos da definição dos pacotes para operadoras de planos de saúde e serviços de saúde da metodologia continuam sendo importantes:
· Fidelização, Geografia Econômica e outros fatores comerciais é que definem se o pacote é viável ou não na relação entre fonte pagadora e serviço de saúde;
· A discussão aqui é que se não estiver atento às questões tributárias, os outros aspectos podem perder o significado;
· Vamos lembrar que nem todos os serviços de saúde e operadoras de planos de saúde se submetem às mesmas regras tributárias, inclusive uma mesma empresa pode ser beneficiada em uma parte do Brasil e em outra não;
· Mas uma decisão tomada em um determinado Estado sobre ICMS pode inviabilizar a relação de uma operadora e um serviço de saúde de outro Estado, se a origem do insumo é de fornecedor estabelecido no Estado que resolveu mudar a regra do jogo.
E vamos agora tratar do SUS, onde o impacto da mudança do ICMS ocorre ainda em maior escala:
· Mesmo não sendo pacotes, a tabela SIGTAP não remunera materiais descartáveis e medicamentos de baixo custo;
· A lógica do SUS é que o valor do repasse do procedimento já inclui estes insumos;
· Ou seja, enquanto na saúde suplementar as contas abertas quase que se ajustam automaticamente, e será necessário revisar apenas os pacotes, no SUS vai afetar a maioria absoluta das contas de média e alta complexidades.
E pior ... ele remunera OPME com valor fixo em qualquer lugar do Brasil:
· Não interessa por quanto você compra ... o preço da tabela SIGTAP é sempre o mesmo;
· Então, aumentou a alíquota do ICMS, o fornecedor cobra mais caso ... mas você não tem como reajustar o preço;
· Significa dizer que se nada for feito, dezenas de milhares de serviços de saúde deixarão de realizar procedimentos que utilizam OPME para o SUS ... vai inviabilizar a entrega deste produto ao SUS;
· O preço da tabela já é baixo ... e vai ficar relativamente ainda menor com o aumento do preço do insumo “mais carregado” de tributos !
Podemos levar o assunto à discussão dos modelos de remuneração alternativos ao fee for service.
Os contratos que têm como base os modelos de compartilhamento de riscos certamente terão que ser aditivados, com a inserção de reajustes que compensem o aumento do custo dos insumos:
· Já são muitos no Brasil (centenas de milhares, acredito), mas quanto a isso não haverá muita resistência;
· Ou o SUS negocia com a rede, ou vai perdendo as contratualizações ... simples assim;
· Ou a operadora negocia com os serviços credenciados, ou terá que ter rede própria para suportar a falta de rede credenciada.
Já os contratos que têm como base a remuneração baseada em valor exigirão maior esforço:
· Não gostaria de dizer isso: ainda bem que são poucos ... todos gostaríamos que fossem muitos, mas o volume é insignificante pelas razões que sempre discutimos;
· O esforço será maior porque a construção do preço passou geralmente pela análise de valores médios de contas fechadas de procedimentos diferentes ... de uma cadeia de procedimentos;
· Na maioria dos casos haverá maior grau de dificuldade para identificar, dentro do preço do pacote de uma cadeia de valores, o impacto total;
· Quem me conhece sabe que sempre defendi que estes modelos deveriam se basear em contas abertas, mas na prática os envolvidos confundem forma de apresentação de contas com modelos de remuneração. Quem seguiu a recomendação de, independente do modelo de remuneração, manter a base das contas abertas terá menos dificuldade ... quem não fez isso vai acabar partindo para a “horoscopologia” ... infelizmente, pela experiência, a segunda opção vai predominar.
Mesmo sabendo ser repetitivo em excesso em relação a isso:
· É essencial que o serviço de saúde, em especial o hospital, em especial no caso de procedimentos da alta complexidade, trabalhe com contas abertas, ao nível máximo de detalhes que puder;
· Se ele vai apresentar a conta em forma de pacote ou não para a fonte pagadora ... se o modelo de remuneração é fee for service, ou compartilhamento de riscos, ou remuneração baseada em valor ... não importa;
· O serviço de saúde sempre deve ter o domínio total do que vende, ao maior nível de detalhe possível;
· É isso que faz com que ele, em uma situação de mudança de parâmetros tributários como esta, ou em qualquer outra mudança de cenário comercial, tenha parâmetros para analisar o impacto da melhor forma possível !
Veja só senhor governador ... ao sentar-se com seus assessores no seu gabinete e resolver mexer com o ICMS de insumos na área da saúde tenho uma certeza: não faz ideia de com quem está mexendo, e nem o impacto disso para os maiores interessados em tudo isso:
· Os beneficiários que pagam seus planos de saúde;
· Os beneficiários do SUS que pagam os impostos e terão menos acesso à saúde;
· Os particulares que pagam diretamente suas contas médicas, odontológicas, e de outros profissionais multidisciplinares.
O mesmo ocorre quando o governo federal altera alguma o IPI, o II ... dependendo do procedimento o impacto pode significar reajustar o preço, assumir a queda de margem ... ou deixar de fazer !
Fico contente por saber que já temos uma certa quantidade de gestores de saúde privada e pública que investiram na especialização em mercado da saúde, pacotes, tabelas de preços, contas, custos e rentabilidade de serviços de saúde:
· Estes, tenho certeza, vão saber lidar com esta movimentação na cadeia de valores do mercado;
· Mas necessitamos de mais gestores adequadamente capacitados ... precisamos aumentar o grupo de formadores de opinião ... opinião formada por argumentos reais e não políticos, partidários, ideológicos ...
· Se tivermos mais gestores adequadamente capacitados em sustentabilidade financeira de instituições privadas e públicas da saúde, aumenta nossa chance de surgir uma “massa de vozes” para questionar ações intempestivas do governo ... para impedir que ele haja sem saber as consequências !