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Erros na Campanha de Vacinação COVID-19 e os Reflexos para o Mercado da Saúde

0137 – 29/01/2021

Aos cuidados de:  «Nome»     «empresa»    «depto»       «cargo»

Referência: Jornada da Gestão em Saúde

Resultado da Falta de Foco do Governo na Imunização, o Prejuízo Para a Sociedade e Para as Empresas Que Atuam na Área da Saúde Já É Visível

 

 

Obrigado a ser repetitivo para que o conteúdo não seja associado com ideologias, opções política ou qualquer outro tipo de viés:

·         A menção “governo” aqui não se refere somente ao Presidente, somente ao Governador X, somente ao Prefeito Y:

·         Se refere ao Presidente, a todos os Governadores, a todos os Prefeitos ... e inclui todos os Senadores, todos os Deputados, todos os Vereadores ...

·         SUS é um Equipamento de Estado, e não de um governante ... todos são responsáveis nos acertos e nos erros da gestão da saúde.

Deixando de lado todos os erros cometidos no ano passado, gostaríamos de estar presenciando uma campanha de imunização contra a COVID-19 minimamente organizada, mas na verdade estamos vendo os erros se multiplicarem ... o fato é que uma série de erros já estão prejudicando a sociedade e as empresas que atuam no segmento, e se nada for feito para corrigir, a tendência é agravar o quadro.

Estamos “no começo da lambança” ... dá tempo para corrigir ... aponto estes erros, que considero os mais graves, com o objetivo de contribuir !

1 – Critério Utilizado Para Distribuição das Vacinas

O gráfico demonstra a distribuição de médicos por 1.000 habitantes em Minas Gerais:

·         O estado foi escolhido aleatoriamente ... em todas as UFs (exceto no DF) o cenário é similar;

·         Não temos médicos em quantidade proporcional à população ... geralmente temos mais médicos onde existem mais serviços de alta complexidade (hospitais);

·         A quantidade de profissionais de saúde está longe de ser proporcional à população dos Municípios, dos Estados.

 

Na verdade isso ocorre com todos os profissionais de saúde:

·         Veja como os gráficos são pintados de forma diferente quando pegamos a relação Enfermagem Per Capita, Dentistas Per Capita e Médicos Per Capita;

·         E repare que a proporção não tem nada a ver uma com a outra: enquanto a proporção de enfermeiros varia ~ 2,5 vezes, a de dentistas varia 2,8, e a de médicos varia 4,5 vezes !

Então, se o critério é imunizar primeiro profissionais de saúde, não se pode distribuir a vacina proporcionalmente à população – está completamente errado !

As vacinas deveriam estar sendo distribuídas de acordo com a distribuição proporcional de profissionais de saúde.

Como o critério de distribuição está errado ... o que está acontecendo (voltando ao primeiro gráfico do Estado de Minas Gerais):

·         Nas cidades que aparecem bem vermelhas vai faltar vacina;

·         E nas cidades que aparecem “cinzinhas” vai sobrar vacina;

·         Nas “cinzinhas” sobra vacina porque não existem profissionais de saúde para receber, as vacinas “vão cair no braço” do prefeito, dos avós do secretário municipal de saúde ...

·         Uma coisa podemos ter certeza ... em uma situação em que “o mundo está com medo”, o excesso não será devolvido !

 

 

2 – Critérios Interpretativos

A campanha jamais poderia estar baseada em critérios interpretativos:

·         Dizer que serão vacinados primeiro “os profissionais da linha de frente” é um critério interpretativo;

·         Os gráficos demonstram, segundo CNES, que temos ~ 4,5 milhões de profissionais trabalhando em estabelecimentos de saúde;

·         Quais devem receber vacina ? Quais são da linha de frente ?

Não se pode garantir que sejam todos os médicos, todos os enfermeiros:

·         Já prestei consultoria em mais de 200 hospitais, entre públicos e privados ...

·         A maioria dos profissionais de saúde nestes estabelecimentos não está na linha de frente do enfrentamento COVID-19;

·         Uma boa parcela, diga-se de passagem, nem na área assistencial está ... ocupam atividades de retaguarda administrativa, regulação, credenciamento ...

·         Uma grande parcela de quem está na linha de frente não é profissional assistencial (higiene e limpeza, segurança ...);

·         E temos muitos que atuam fora do SUS, em estabelecimentos que atendem pacientes privados e da saúde suplementar.

Publicar uma portaria dizendo “linha de frente” e deixar para o serviço definir quem deve tomar a vacina:

·         Além de ser um erro, é uma grande covardia para o gestor do serviço;

·         Já fui diretor em empresas de saúde ... acredite em que já assumiu este papel ... qualquer critério que você definir não vai ser aceito .. você pode ser questionado, ter seu carro riscado, ser agredido, ser ameaçado de morte;

·         Sabe o que você faria se estivesse lá ? ... vacinaria todo mundo !

Quando vemos justificativas duvidosas de médicos que sabemos não estarem na linha de frente, sobre sua atuação em atividades que não existe condições de aferir, não podemos apenas criticar o médico que de forma antiética faz isso:

·         Isso é a consequência de um critério interpretativo definido na campanha;

·         Vamos lembrar que vivemos em um país onde as pessoas cometem crimes, recorrem, recorrem, recorrem ... e nunca são penalizados.

 

 

3 – Grupos Prioritários

Ou o que aprendi na pós de epidemiologia foi bobagem, ou jamais o grupo prioritário deveria ser o de profissionais de saúde:

·         Se tivéssemos vacina para toda a população, e se fossemos vacinar todos rapidamente, até poderia ser;

·         Mas o critério jamais pode ser o de risco de infecção ... se infectar não significa que haverá dano ... podemos ter milhões de infectados que nem sabem que contraíram o vírus ... completamente assintomáticos;

Especialmente pelo fato de não haver vacina para todos o critério deveria dar foco no dano que a doença causa.

O gráfico é uma publicação do Governo do Estado de São Paulo e demonstra os óbitos por faixa etária:

·         Isso já é mais que sabido ... como a população “de maior idade” é menor que a das outras faixas etárias, não existe a menor possibilidade de discutir que o risco de dano é nas faixas etárias maiores;

·         Então o critério deveria ter sido faixa etária ... vamos vacinar quem tem mais de 60 anos primeiro, depois pensamos no resto;

·         Se não existe vacina para todos nesta faixa etária, então começamos com os de mais de 80, depois os de mais de 75, depois os de mais de 70 ...

·         Só depois de vacinar a população de maior risco é que poderíamos pensar nos demais.

Veja que se este caminho tivesse sido seguido, além de dar melhor resultado no enfrentamento, ainda não teríamos o problema da interpretação absurda do critério de escolha de quem recebe a vacina:

·         Você pode questionar sem um profissional da saúde é da linha de frente ou não ... mas não dá pra questionar a idade do vacinado ... não daria para um secretário municipal de saúde furar a fila dizendo que existe algo que justifique que a idade dele não condiz com a data de nascimento;

·         E o gestor hospitalar, que comentei que está acuado e com medo, não teria problemas com quem receberia vacina no seu hospital porque “a regra é clara”: a data de nascimento.

 

 

4 – Conscientização para Vacinação

Não dá para esperar que uma população que se aglomera desnecessariamente durante a pandemia se conscientize que deve ser vacinada:

·         A guerra da conscientização foi perdida no ano passado ... não há como recuperar;

·         Esta doença é diferente da dengue ... não se combate o vetor (o mosquito) ... o mosquito somos nós;

·         Então a vacinação deve ser obrigatória, com penalidade para quem estiver escalado para tomar e não quiser;

·         Se recebe um benefício público (aposentadoria, bolsa família, auxílio emergencial), for escalado e não tomar, deve perder o benefício.

Não é uma situação em que um leigo possa decidir pela vida dos outros, porque não tomar a vacina é colocar outras pessoas em risco:

·         Infelizmente “perdemos o bonde” da conscientização;

·         Agora o governo tem obrigação de “jogar duro”;

·         Não fazem ideia de como é difícil para mim escrever isso ... pessoas como eu que viveram a “ditadura militar” aprenderam “na carne” que a conscientização é o melhor caminho ... mas ...

 

 

5 – Mistura de Vacinas Diferentes

Não se pode definir a campanha sem saber qual a vacina, quantas doses são necessárias por pessoa, quantas doses existem:

·         Primeiro se compilam quais as disponíveis e quais as suas características, para depois definir a campanha;

·         O processo de distribuição, armazenamento, aplicação, reforço ... é “tudo diferente” de uma para outra.

Então a campanha deveria ser definida regionalmente, dando preferência para utilizar um único tipo de vacina, e não misturando doses de vacinas diferentes.

Se o controle da vacinação não é eficaz nem mesmo para quem é o grupo prioritário, imagina todos os problemas que vamos ter com a mistura “na vida real”:

·         O mesmo desonesto que furou a fila de uma vacina, vai querer ser vacinado pela outra ... por segurança ... já não temos vacinas suficientes, e parte delas será aplicada em duplicidade na mesma pessoa;

·         Um vai tomar a primeira dose de uma e a segunda da outra;

·         O posto de saúde não vai conseguir planejar o prazo adequado para a segunda dose de uma e de outra !

Podemos ter tantas vacinas quantas estiverem disponíveis, mas o planejamento deve se preocupar com todas as implicações de termos elas misturadas:

·         Vamos lembrar que lá na ponta (o posto de saúde público) não é o que podemos chamar de primor em tecnologia para controles;

·         Quem já “habitou” UBS’s sabe que elas funcionam mais pela vocação dos funcionários do que pela retaguarda administrativa ou infraestrutura ... boa parte delas funciona “por milagre”, e não porque tem condições adequadas para funcionar.

 

 

6 – Custo com a Logística

Não faz o menor sentido o Estado de São Paulo entregar uma parte das vacinas do Butantan e receber uma parte das vacinas da FioCruz:

·         A “cota” da FioCruz para São Paulo, ao invés de ser remetida para cá, deveria ser abatida da “cota” que o Butantan entrega para o MS;

·         Se o Butantan, proporcionalmente, não estiver mais produzindo a “cota total” do Estado, então passa a receber a fração da FioCruz correspondente.

Isso é tão óbvio que sinceramente “dá até raiva de comentar”:

·         Além de auxiliar confusão de ter mais de uma vacina para a população local, quando poderia ser apenas uma;

·         Ainda envolve custos desnecessários com logística;

·         Este dinheiro vai faltar para a compra de insumos de saúde na área pública, que inflacionaram por conta da pandemia, inclusive os utilizados na campanha de vacinação.

 

 

7 – Segurança

A foto é de um “baile funk” em plena pandemia:

·         A mídia “erroneamente” noticia a falta de conscientização que leva as pessoas para estas aglomerações;

·         Mas a maioria das festas deste tipo é patrocinada pelo crime organizado ... uma boa parte das pessoas que estão lá não consomem cerveja, refrigerante ... consomem cocaína, maconha;

·         Não é uma questão de conscientização da aglomeração ... é o interesse econômico do crime organizado;

·         O Estado observa de longe ... as festas em sítios, clubes, boates ... são coibidas ... estas não.

Vimos notícias da audácia do crime organizado em roubos de caixas eletrônicos, cofres de bancos ... este ano ... durante a pandemia. Estamos cansados de ver roubos de cargas ... muitos em regiões que já são muito conhecidas por todos.

A campanha de vacinação envolve um produto valiosíssimo (não existe vacina para todos, e vai continuar sem existir durante um bom tempo) ... e está sendo direcionado:

·         Para locais onde para se chegar é necessário “pagar pedágio” para o crime organizado e milícias;

·         Para estabelecimentos que estão fora destes locais controlados pela ausência do estado, mas não tem segurança alguma ... um posto de saúde com “um guardinha” na porta, e olhe lá !

·         Não é uma campanha de vacinação como todas as outras ... se negligenciar o risco de que a vacina vale tanto como “uma grama de pó” e tem mais mercado comprador, inclusive ... será uma catástrofe .. uma carnificina.

 

 

8 – Protocolos Inovadores de Ministração da Vacina

Esperamos meses pela vacina em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, para cumprir os requisitos mínimos de aprovação da vacina:

·         E olhe que a ANVISA, como outros similares no mundo todo, foi muito menos rígida do que sempre foi para qualquer medicamento, vacina ...

Ou seguimos “o discurso da ciência” ou abrimos “a porta” para achismos:

·         Se a bula diz que são 2 doses com x dias de espaçamento ... então são 2 doses com x dias de espaçamento;

·         O discurso de abrir a possibilidade de dar 1 dose, ou espaçamentos maiores é o mesmo de abrir a discussão do porquê não se dá cloroquina pra todo mundo ?

·         Vamos usar 2 pesos e 2 medidas ?

·         É inadmissível que, a “esta altura do campeonato”, pessoas que representam instituições de ilibada reputação, reputação que não foi construída por estas pessoas (diga-se de passagem), sinalizem para a população que se ela tomar 1 dose é suficiente ... é isso que ela entende da conversa;

·         Políticos e pessoas que representam organizações sérias não podem dar sinais errados para a população ... a linguagem para a população tem que ser simples e consistente.

Para entender o efeito que isso causa:

·         Vá a uma plataforma de espera de trem, ou a um mercado popular, ou a uma UBS, ou a uma UPA, ou a um ponto de ônibus ...

·         E escute o que a população diz sobre todas as coisas;

·         Veja o nível de entendimento que ela tem das coisas, a linguagem que ela utiliza para se comunicar

·         Aprenda a se sensibilizar de que com ela “o papo tem que ser reto” !

 

 

9 – Vacinação Como Programa de Governo

Não é admissível que se permita que empresas privadas adquiram vacinas enquanto as que o SUS necessita não forem adquiridas:

·         Não se pode privilegiar parcela da população que tem mais recursos para tomar vacina e a outra parcela ficar sem;

·         Se existissem vacinas disponíveis para quem quisesse comprar, ou se o SUS se recusasse a comprar vacinas e descumprir sua missão constitucional de prover saúde para toda a população ... o cenário seria outro;

·         O cenário não é este ... falta vacina até para países da Comunidade Europeia ... somente os países que têm as farmacêuticas (Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, China, Índia ...) tem vacinas para “dar e vender”.

Abrindo a possibilidade de empresas privadas passarem a frente na fila de aquisição, vamos incentivar o “mercado negro” das vacinas COVID-19 ... a consequência sanitária e social disso será imprevisível.

Bem ... finalizando ... teria mais alguns erros para apontar, mas como o objetivo é auxiliar, considero que se o governo agir o mais rapidamente em relação a estes, o cenário já vai melhorar bastante:

·         As empresas que atuam no segmento da saúde necessitam que a campanha siga um caminho de coerência para poderem se programar;

·         Estamos chegando ao segundo mês do ano e operadoras de planos de saúde, serviços de saúde e fornecedores de insumos para a área da saúde não têm pista do que devem fazer para planejar o futuro;

·         A questão não é nem longo prazo ... as empresas não têm subsídios para planejar adequadamente suas ações em 2021 ... nem mesmo neste semestre;

·         Vão abrir as agendas para as eletivas que estão represadas, ou vão manter o nível de produção baixo ? ... por quanto tempo ?

·         O SUS da mesma forma ... vamos abrir mutirões para fazer a fila andar novamente quando ?

Ainda é tempo de corrigir ... não podemos deixar que as consequências se agravem !