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Hospital x Home Care no Brasil

0143 – 12/02/2021

Referência: Jornada da Gestão em Saúde

Home Care e Pacotes de Atenção Domiciliar Só Vingam Quando Não se Negligencia O Que é o Nosso País !

 

 

Há alguns anos fui convidado, quase ao mesmo tempo, para dar uma palestra em São Paulo e uma aula em Ribeirão Preto sobre Home Care, porque estava desenvolvendo o estudo de viabilidade de um projeto de implantação em uma operadora, e um dos diretores envolvidos era coordenador de um curso de pós graduação:

·         Fiquei um pouco apreensivo porque era minha única experiência nisso até então, e sempre me dá “calafrios” quando penso que a exposição pode caminhar para questões assistenciais;

·         Ainda mais em uma turma de pós cheia de médicos recém formados que estão com as questões assistenciais “dominando a maioria dos neurônios”, por não terem disciplinas de gestão na graduação – estão com foco total no principal: a assistência ao paciente.

Estruturei a aula para discutir receitas e custos:

·         Com a metodologia simples utilizada para avaliar unidades de negócios e precificação ... a mesma base que utilizamos em clínicas multidisciplinares;

·         Mas não estava confortável, porque a relação de rentabilidade é muito favorável ... mas quando olhava para o mercado sentia que, por alguma razão que desconhecia, Home Care “não decolava” como deveria;

·         E tinha conhecimento de alguns casos em que o serviço abriu e fechou pouco tempo depois !

Por coincidência (Deus sempre ajuda) recebi propaganda de um seminário sobre o tema, e rapidamente me inscrevi:

·         Foi a salvação da lavoura”, porque era uma palestra sobre a evolução do Home Care no Reino Unido, tido ainda hoje como uma das melhores referências mundiais;

·         O que ele comentou sobre a estruturação do sistema, o custo x benefício ... para ser bem sincero, não foi muito útil ... por isso vou me permitir não mencionar seu nome;

·         Mas o ambiente que ele descreveu fez “cair a ficha” da dificuldade de fazer aqui o que é feito lá ... foi a coisa mais importante que pude guardar, compilar e passar na palestra e na aula, que acabou rendendo convite para as que vieram depois !

Muito do que se coloca como fatores chave de sucesso em outros países é absolutamente inviável aqui, dependendo de onde ... em qual cidade e em qual região da cidade ... se planeja desenvolver o Home Care.

 

(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil

 

Fica fácil entender por que temos 10 vezes mais estabelecimentos hospitalares no Brasil, do que estabelecimentos de Home Care, cujo investimento é 1.000 vezes menor !

Vamos começar conceituando, em uma linguagem bem simples, as diferenças entre os cuidados que se aplicam no domicílio de uma pessoa / doente, para discutir as dificuldades.

Assistência Médica Domiciliar:

·         Atenção à Saúde prestada no domicílio do paciente: Serviços Médicos, Ministração de Medicamentos, Cuidados de Enfermagem, Terapias ...

Atenção Domiciliar:

·         Atividades da Vida Diária: Capacidade de autocuidado do paciente tomar banho , vestir-se, transferir-se, usar o banheiro, comer, caminhar ...;

·         Atividades Instrumentais: Permitir vida de forma independente. Trabalhos domésticos leves, preparação de refeições, uso de medicamentos, compras de mantimentos ou roupas, uso do telefone, gerenciamento de dinheiro ...

Regra fundamental:

·         Home Care obrigatoriamente deve se limitar à Assistência Médica Domiciliar;

·         Atenção Domiciliar está no escopo dos Cuidadores e/ou dos Familiares ... não é responsabilidade do Home Care;

·         Se misturar ... “azeda” ... são coisas muito diferentes ... não se sustenta economicamente.

 

 

Para que não fique impressão errada sobre o potencial do mercado Home Care no Brasil vale observar o gráfico:

·         O crescimento do setor foi grande nos últimos anos;

·         Quase que dobrou o número de estabelecimentos;

·         Mas a quantidade ainda é muito pequena.

 

 

Observando o gráfico de evolução dos hospitais o crescimento é proporcionalmente menor;

·         Mas a quantidade existente é tão maior, que a variação do número de hospitais gerais em número absoluto é quase a mesma;

·         E, novamente lembrando, o investimento necessário para criar um ou outro é absurdamente diferente.

 

 

Então, as razões do Home Care não ter se desenvolvido como deveria no Brasil não se prende ao volume de investimento ou ao resultado financeiro que ele gera, mas a como no Brasil as vantagens deste tipo de tratamento para a fonte pagadora e para o paciente são “abafadas” pelo nosso ambiente:

·         A primeira se relaciona ao fato do ambiente hospitalar ser mais hostil para o paciente do que realizar o tratamento na sua residência. Em países desenvolvidos é quase 100 % verdade, mas em um país onde boa parte da população não reside “no paraíso”, esta vantagem perde o sentido. Para a maior parte da população a maior parte dos hospitais tem mais hotelaria do que a sua residência;

·         A segunda se relaciona ao fato do paciente estar exposto ao risco de contaminação em ambiente hospitalar. Mas no Brasil a maioria das residências não tem nem saneamento básico. O ambiente hospitalar geralmente está revestido de mais segurança em relação a contaminações do que o lar da maioria das pessoas, infelizmente;

·         A terceira se refere a melhoria da autonomia do paciente, ou seja, de ele não ter que se deslocar para o hospital. Mas no Brasil boa parte das pessoas residem em locais dominados pelo crime organizado, por milicias ... onde a equipe do Home Care necessita permissão para acessar, ou até mesmo, “pagar alguma espécie de pedágio” para poder entrar na residência do paciente;

·         O quarto e o quinto, que se referem a melhoria da privacidade do paciente e redução do custo para o sistema de saúde, não são diferentes aqui no Brasil, do que são nos demais países – pesando os “prós e contras”, são vantagens indiscutíveis.

Mas temos uma razão que nos diferencia muito dos países desenvolvidos, que é a questão cultural:

·         Quando o serviço chega ao paciente do Home Care, em grande parte dos casos, a família tenta se aproveitar para transferir para a equipe ações de cuidados de atenção domiciliar, que extrapolam a assistência médica domiciliar;

·         Especialmente no caso de pacientes idosos, nossa cultura familiar, no geral, não é a de cuidar com o familiar, de se preocupar com ele ... os idosos não têm o respeito e a consideração dos familiares como ocorre em países mais desenvolvidos;

·         Como exemplo, aqui no Brasil, por mais que se tivesse sido pedido aos mais jovens para não se aglomerarem para não colocar os idosos da família em risco na pandemia ... não adiantou ... milhares de idosos perderam a vida porque os filhos e netos não tomaram precauções, e levaram a doença para dentro da sua casa em troca de uma “boa balada”;

·         Pode perguntar para quem faz a gestão de serviços de Home Care se estou exagerando quando digo que o familiar ”arruma algum compromisso importante” invariavelmente para não estar presente no horário agendado da visita !

Então, para que um serviço de Home Care se viabilize, vários aspectos sociais devem ser levados em conta aqui no Brasil:

·         A questão técnica e econômica não se discute muito ... é muito fácil demonstrar a viabilidade, aplicando as técnicas de apuração de custo médio, custo unitário, rentabilidade de UN’s e Precificação ... nada complexo;

·         A questão que se coloca é a dificuldade de chegar ao paciente pelas condições sociais, e o risco que se corre da tentativa de incorporar à atenção médica domiciliar, cuidados que são de responsabilidade da família.

   

 

E o mais interessante é que estas questões não seguem uma tendência regional (por região do Brasil):

·         O gráfico ilustra o % relativo de estabelecimentos do tipo Home Care em relação aos estabelecimentos do tipo Hospital;

·         Em uma mesma região vemos UF’s muito escuras, vizinhas de outras muito claras;

·         No Centro-Oeste por exemplo, o Distrito Federal se destaca com a maior relação (do Brasil, inclusive), enquanto Goiás uma das menores (do Brasil, inclusive) ... Brasília é “a capital do Home Care do Brasil”, por diversas razões sócio culturais que não há tempo de explorar aqui;

·         Mas, sem dúvida, a Região Norte é a que registra o menor número relativo, no geral.

Este cenário, tão claro para mim, foi o que se desenhou quando assisti aquela palestra há anos atrás e que hoje, analisando os números, fica tão evidente:

·         Na área da saúde o que serve para países desenvolvidos sempre deve ser analisado com muita parcimônia aqui no Brasil;

·         Se tem uma coisa que a experiência nos mostra é que o gestor da saúde no Brasil jamais pode negligenciar que somos um país gigante no território, com uma grande população, pobre, e com uma enorme diversidade social, econômica e cultural.

Home Care é uma alternativa barata, eficaz e de muito potencial também aqui no Brasil para melhoria da saúde pública e privada ... mas “nós somos nós”, e “eles são eles” ... é muito importante analisar cada contexto !

Particularmente na Saúde Suplementar temos o agravante dos pacotes mal definidos pelas operadoras:

·         Neste cenário sensível em que o serviço de Home Care necessita de limites bem claros de procedimentos para se viabilizar, tudo que fica subentendido acaba não se viabilizando;

·         Este tipo de relação comercial depende muito da parceria entre a fonte pagadora e o serviço de saúde – é o único evento em que a fonte pagadora/serviço de saúde se integra totalmente à vida do beneficiário/paciente, aflorando para os dois problemas sociais que não têm relação com o “Rol da ANS”;

·         É comum, pressionada, a fonte pagadora transferir para o serviço de saúde mais responsabilidade do que é contratado, em atendimento de reclamações infundadas dos beneficiários que extrapolam o escopo da prestação do serviço.

 

O caminho que se mantém viável é o dos pacotes para melhoria de cuidados, ou manutenção dos cuidados paliativos, bem definidos:

·         Definir pagamento por ciclo de atendimento, e não por eventos isolados ... há que se ter algum valor agregado à prestação do serviço e não somente “um taxímetro” que aponta o que foi feito para ser pago;

·         Se o cuidado é de “lavagem intestinal”, deve ter parâmetros de pagamento associados a queda de visitas do paciente ao pronto socorro para fazer isso ... por exemplo;

·         As visitas “de auditores” à residência do paciente devem seguir uma rotina de aferição da rotina do serviço, do nível de satisfação do paciente e do resultado assistencial ... os 3 componentes devem ser medidos sistematicamente;

·         Especificar claramente o que inclui a atenção, os procedimentos específicos e o empenho dos insumos necessários;

·         E remunerar de acordo com parâmetros de qualidade (nível de serviço) e não somente multiplicando o preço da tabela pela quantidade de eventos.

A única coisa que não é discutível: quando bem definido, em um cenário que sustente a prestação dos serviços, Home Care é bom para o paciente e bom para a fonte pagadora ... e é claro que é bom para o prestador que sobrevive em função disso.