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Projetando Os Ajustes No Credenciamento das Operadoras e Futuros Mutirões SUS no Pós Pandemia
0145 – 23/02/2021
Referência: Jornada da Gestão em Saúde
Já Temos os Dados Que Desenham a Mudança no Perfil Assistencial de 2020 para Planejar com Segurança
(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Acredito que o conteúdo possa auxiliar na análise da pauta de escolher reduzir o empenho financeiro em saúde e educação para custear o auxílio emergencial e a redução de carga tributária em combustíveis:
· Como foram os gastos reais dos governos (federal, estaduais, distrital e municipais) com a saúde em 2020 ?
· Quais os reflexos que já tivemos ?
· Quais as consequências que ainda teremos ?
O mapa demonstra a evolução dos atendimentos ambulatoriais e de internação no SUS:
· Já temos os dados fechados de 2020, e como são dados do sistema de financiamento, que consistem as informações para liberar o pagamento, nos permitem analisar com alguma segurança;
· Para os que não têm intimidade com os sistemas de financiamento (SUS e Saúde Suplementar Regulada): para liberar um pagamento o atendimento é criticado pelo sistema de informações e/ou pela auditoria de contas, e desta forma o procedimento deve ser compatível com o CID, CBO, idade, sexo ... os procedimentos devem ser compatíveis entre si ... o procedimento deve ser compatível com o MAT/MED/OPME ... e assim por diante;
· Assim é mais seguro lidar com informações de internações do SUS a partir das AIH’s (as contas de internação) do que com as informações que são alimentadas em sistemas “pelo total”, como é feito na tabulação dos casos e óbitos de COVID, por exemplo;
· É mais seguro lidar com informações de promoção, prevenção e assistência ambulatorial a partir das BPA’s, APAC’s e RAAS’s do que nos relatórios produzidos pelas áreas financeiras do lado do pagador e/ou do lado do prestador.
Sob o ponto de vista assistencial o que ocorre no SUS pode ser extrapolado, na maior parte, com alguma segurança com o que ocorre na Saúde Suplementar Regulada:
· A Saúde Suplementar Regulada (a que tem a ver com convênios – a regulada pela ANS) define um rol de procedimentos que, exceto as ações de promoção à saúde e as ações complementares da saúde (capítulo 1 e parte do capítulo 8 da tabela SIGTAP) tem extrema similaridade;
· As doenças e o tratamento das doenças ocorrem de forma muito similar no SUS e na Saúde Suplementar ... não com a mesma velocidade de atendimento, hotelaria e outros aspectos é claro !
· Não podemos estabelecer relação entre o que ocorre no SUS e com a Saúde Suplementar Não Regulada, que abrange tratamentos estéticos, ainda não incorporados às melhores práticas de saúde populacional pelo SUS, e outros.
O que ocorreu em 2020, e já era esperado e sentido pelos gestores da saúde pública e privada, e fica bem claro no gráfico:
· Gastou-se um pouco mais em internações, porque tivemos a substituição de internações de várias doenças por internações por COVID – mas a evolução dos gastos é proporcionalmente menor que a que ocorria em anos anteriores, embora muitos tratamentos de COVID utilizem um dos dois recursos mais caros das internações (CC e UTI);
· E houve uma grande queda nos demais atendimentos (promoção e prevenção da saúde, diagnósticos, e atendimentos ambulatoriais).
No geral (somando as duas coisas) houve queda nos gastos:
· No SUS esta queda significa que o governo gastou em 2020 mais ou menos o que gastou em 2017 ... é como se tivéssemos eliminado a inflação da saúde de 3 anos ... embora o recurso para ser empenhado em 2020 na saúde já estivesse previsto em orçamento desde 2019;
· De forma geral os governos gastaram mais em alguns itens questionáveis, e deixaram de gastar em alguns itens que não poderia deixar de gastar;
· Na Saúde Suplementar esta queda foi ainda maior, porque operadoras de planos de saúde não gastam proporcionalmente “nem perto” do que o SUS gasta com promoção da saúde e prevenção de doenças ... a sinistralidade de 2020 para as operadoras foi “negativa” em relação ao orçamento, embora a ANS tivesse autorizado reajuste de preços dos planos de saúde !!!
COVID-19 ocupou as vagas das internações de outras doenças, e afastou doentes e profissionais da saúde dos tratamentos eletivos ... os números são alarmantes e sinalizam os reflexos do que deverá ocorrer no SUS e na Saúde Suplementar em função disso:
· A tabela mostra a retração no volume de internações por procedimento principal, entre 2019 e 2020;
· As doenças têm “uma epidemiologia” mais ou menos constante em relação à população ... cada vez que se faz um estudo sobre determinada doença o indicador “mais perseguido” é o % da população que tem a doença;
· Este % define pesquisas sobre medicamentos, inovação em técnicas de tratamento e equipamentos ... define como o sistema de financiamento (SUS e Saúde Suplementar) deve se equipar para lidar com ela;
· Se pegarmos qualquer dos procedimentos (Hernioplastia Inguinal, por exemplo), e nos depararmos com 43,3 % de redução do número de cirurgias em relação ao ano anterior, concluímos que estas pessoas que não fizeram este procedimento em 2020 terão que fazer no ano seguinte – ou seja, no ano seguinte teremos +/- 43,3 % a mais de hernioplastia inguinal por fazer do que já teríamos por conta da demanda reprimida.
Analisar o percentual de cada tipo de internação que não ocorreu é fundamental:
· Para o SUS definir ajustes de estrutura, adequações de orçamento, mutirões para fazer a fila andar ...
· Para as Operadoras de Planos de Saúde definirem ajustes na rede credenciada, ajustar a rede própria ...
· Para SUS e Operadoras de Planos de Saúde já irem definindo alguma rotina de ir reduzindo a fila destes procedimentos mesmo antes da pandemia acabar ... vamos lembrar que estamos as voltas com os governos “batendo cabeça” para vacinar a população ... temos o risco destes 43,3 % se tornarem 86,6 % em 2021 ... e o risco é iminente ... não temos nenhum indício da “despolitização do enfrentamento da pandemia”, especialmente por se tratar de um ano pré-eleitoral.
Já os gráficos demonstram o que foi feito nos atendimentos “fora internação” no SUS:
· No geral vemos queda de volume em praticamente todos os grupos, e acréscimo de valor apenas no grupo 6 (medicamentos);
· Vale a pena comentar cada um deles, e o reflexo / analogia com a Saúde Suplementar.
O grupo 1 são atividades de atenção e promoção da saúde (ocorrem proporcionalmente muito mais no SUS do que na Saúde Suplementar):
· Em relação ao total, o que era 7,5 % dos procedimentos caiu para 6,2 % ... o empenho financeiro foi praticamente o mesmo;
· Nós vamos pagar muito caro por isso. “Nós” que somos contribuintes e sustentamos o SUS, e que pagamos os planos de saúde que são reajustados de acordo com a sinistralidade;
· Estas ações são fundamentais para que as outras doenças ocorram menos;
· O governo desmobilizou várias estruturas que prestam este serviço para a população ... desmobilizar “é meio fácil” ... uma canetada ... mobilizar de novo será muito difícil ... depende de “interesses políticos”.
Na Saúde Suplementar não temos números (dados abertos da ANS de 2020 vão demorar parta sair), mas posso apostar que não mudarão quase nada:
· Operadoras que fazem isso em grande escala são as autogestões (que são poucos beneficiários em relação ao total da Saúde Suplementar) ... e Cooperativas em menor escala;
· As demais praticamente não fazem, porque o tempo de permanência dos beneficiários nos seus planos é de apenas alguns anos – elas não têm motivação para fazer.
A figura mostra alguns procedimentos de grande frequência deste grupo que tiveram grandes quedas de volume de realização entre 2019 e 2020.
Uma análise geral mostra que a odontologia foi extremamente afetada na área pública:
· Este grupo se refere ao tratamento preventivo de doenças bucais ... os reflexos serão muito ruins para a população ... atingem tanto a Saúde Suplementar Regulada como a Saúde Suplementar Não regulada;
· Mas especificamente em relação ao SUS este Grupo 1 ainda deixa gestores da saúde (como eu) particularmente preocupados porque tem atividades que só existem no SUS e são fundamentais para a saúde populacional do Brasil (pública e privada);
· Notem que tivemos queda de 85,6 % na atividade de inspeção sanitária em instituições de longa permanência para idosos;
· Queda de 69,4 % na inspeção sanitária de serviços de terapia renal;
· Com inspeção sanitária já nos deparamos com “absurdos”, alguns que aparecem na mídia e a maioria não ... imaginem com o relaxamento disso !!!
O grupo 2 são diagnósticos:
· Esta queda de 26,1 % para 24,9 % já está custando muito caro tanto para o SUS como para a Saúde Suplementar;
· O diagnóstico tardio tem consequências graves em muitos aspectos, inclusive o econômico;
· Diagnosticar quando a doença já está em estágio mais avançado, além do risco de óbito e/ou sequelas e/ou sintomas de maior sofrimento para o paciente, resulta e tratamentos que consomem mais insumos, ou seja, mais caros, e nas doenças em que este adiamento pode resultar em óbito, um gasto ineficaz, e no caso de paciente da saúde suplementar, a perda de um cliente;
· Boa parte das pessoas confunde desperdício na realização de exames, que existe mas é minoria em relação a quantidade de exames feitos na população / carteira de beneficiários, com a necessidade de identificar a doença o mais rapidamente possível para que o tratamento seja mais adequado ... infelizmente rotulam todos os prescritores de exames como “gastões” ao invés de separar a minoria que tem interesse nisso da maioria que pratica a medicina/odontologia de forma consciente (com vocação).
A queda de volume de realização de exames deixa qualquer gestor da área da saúde muito preocupado:
· Considere, por exemplo, o que significa uma queda de 74,5 % em testes para detecção do vírus da Zika ... com o histórico que temos dá para imaginar o que vem por aí em termos de crianças que nascem com a consequência da não detecção do vírus na gravidez;
· Ou uma queda absurda de 67,5 % na coleta de material para exames Citopatológicos de colo de útero ... imagine a quantidade de mulheres que sofrerão com uma doença que se diagnosticada precocemente tem tratamento simples e muito eficaz, mas no diagnóstico tardio tem as piores consequências possíveis.
No grupo 3, de tratamentos clínicos, tivemos queda de volume e aumento de valor:
· Vamos lembrar que estes números se referem aos tratamentos ambulatoriais ... as de internação estão na análise das internações (acima);
· No âmbito ambulatorial, se bem planejado pelo serviço SUS ou Saúde Suplementar, COVID não deveria ter influência tão significativa.
· Notar que o aumento de gastos foi pequeno (2,5 %) comparado com a queda de volume de atendimentos (quase 6 %);
· Isso já é reflexo de que os tratamentos estão mas caros, provavelmente pela eleição de casos mais urgentes e diagnósticos tardios.
É assustador ver, entre outras coisas:
· Queda de 80,2 % em procedimentos de sondagem gástrica;
· Queda de 69,5 % em procedimentos de implantação de DIU;
· Queda de 63,5 % em atendimento psicossocial;
· E vemos uma grande frequência de procedimentos odontológicos com alta queda, confirmando que após a pandemia, quando as pessoas estiverem mais seguras para ir ao consultório, a procura por tratamento dentário será muito grande;
· As filas no SUS vão “mais que dobrar de tamanho” até o final da pandemia – vamos necessitar de mutirões para reduzir o “genocídio deste apagão”;
· Na Saúde Suplementar vamos necessitar de muito mais rede nas operadoras até que o “overbooking” vote ao “antigo normal”.
O grupo 4 (cirúrgico) é o que proporcionalmente mais reduziu:
· Lembrar que estes números se referem às cirurgias ambulatoriais, e que COVID não deveria interferir muito nisso;
· Quase 50 % em volume ... fizemos em 2020 praticamente a metade do que fazíamos em 2019;
· E quase 20 % em valor ... o valor só não caiu mais porque isso já é reflexo do procedimento tardio e/ou da priorização por realizar os procedimentos de maior risco de vida, que são mais caros.
· Veja que mesmo procedimentos oncológicos apresentam redução de mais de 50 %.
O grupo 5 (Transplantes) mostra o drama de alguns casos que eclodiram na mídia recentemente:
· Novamente lembrar que estes números se referem aos tratamentos ambulatoriais;
· Infelizmente tivemos queda geral em tudo que se refere a transplantes;
· Tanto sob o ponto de vista dos doadores, como sob o ponto de vista da realização de procedimentos;
· Um órgão que poderia ser doado em 2020, na maioria absoluta dos casos, não espera para ser doado em 2021 ... um transplante que poderia ter ocorrido em 2020, na maioria absoluta dos casos, não espera para ser realizado em 2021;
· O potencial doador de rim de 2020 na maioria das vezes deixa de existir em 2021 ... e o potencial receptor em 2020 pode não ter suportado chegar a 2021;
· Neste caso não somente uma questão de agravar o futuro ... o passado, na maioria das vezes, infelizmente não pode ser recuperado !
O grupo 6 (medicamentos) tem, no fundo, as mesmas consequências para o SUS e para a Saúde Suplementar:
· Houve um crescimento de 10 % em volume e uma queda de 25 % em valor;
· É claro que isso significa que o Ministério da Saúde distribuiu mais medicamentos de baixo custo e deixou de distribuir medicamentos de alto custo.
Tivemos queda:
· De quase 60 % de medicamentos para tratamento da hepatite;
· De mais de 50 % de medicamento para tratamento de reumatismo;
· De mais de 40 % na distribuição de medicamentos para tratamento de Alzheimer e Parkinson.
· A aumento de 34,6 % de hidroxicloroquina ... para “tratamento da malária”, mesmo não tendo registros que indiquem que esta doença evoluiu tanto em transmissão e ponto de justificar esta ação estratégica !!!
Já estamos tendo (ver abaixo) tanto no SUS como na Saúde Suplementar casos de pacientes crônicos agravados, com tratamentos mais caros e, infelizmente, muitos óbitos, por conta do “apagão” na estratégia de distribuição de medicamentos para a população desde o início da pandemia !
Nos grupos 7 (órteses, próteses e materiais especiais) e 8 (ações complementares) os números do SUS só podem ser analisados no âmbito SUS:
· Como estes números se referem ao procedimento principal do atendimento, OPME manteve a mesma proporção de volume e valor ... “o grosso” se refere ao que é distribuído em oficinas ortopédicas que praticamente não mudaram muito sua rotina;
· Já as ações complementares evidentemente caíram ... e muito ... com a redução de procedimentos eletivos de internação as ajudas de custo para deslocamento, alimentação ... reduziram 20 % em volume e 30 % em valor. Vamos novamente lembrar que as diárias de UTI (que fazem parte deste grupo) não entram aqui nos atendimentos ambulatoriais ... estão “lá em cima” na análise das internações !
Particularmente para Secretários de Saúde e Gestores de Credenciamento de rede em Operadoras:
· O gráfico demonstra a variação de internações por grupo CID entre 2019 e 2020;
· É fácil notar que doenças infecciosas (COVID) e partos aumentaram proporcionalmente, e oncologia e doenças do aparelho circulatório substituíram procedimentos eletivos pelos mais urgentes ... as demais reduziram;
· Estas que reduziram serão o desafio da gestão no fim gradual da pandemia ... é necessário ir se mobilizando agora para que as consequências não sejam piores.
Mas deve ser considerada também a proporção de óbitos por grupo CID:
· Praticamente em todos os grupos tivemos aumento proporcional de óbitos em internações de 2019 para 2020;
· É fato (não é mais “profecia do apocalipse”) que os casos que caem na sua rede são de maior complexidade ... diagnosticados tardiamente ... mais caros e que acabam levando a um maior índice de óbitos.
A variação % entre o indicador de um ano e de outro é muito significativa:
· Aqui não é a taxa de óbitos por internação ... é a diferença entre o % de óbitos de um ano em relação a outro;
· Este indicador deve ser considerado na “equipagem” dos serviços para tratamento das doenças;
· Se antes era necessário prever que X % de casos de determinada doença poderia utilizar UTI (por exemplo), para o novo planejamento é necessário aumentar este indicador “X” ... analisando os números agora podemos avaliar quanto este “X” deve sofrer de acréscimo em cada grupo/especialidade/procedimento;
· Isso vai fazer a diferença entre tratar efetivamente o paciente, ou paliativamente o sintoma até que ele vá a óbito !
É importantíssimo olhar para a disponibilidade de rede (pública ou privada) não esquecendo que a quantidade de serviços, leitos, equipamentos não vai crescer proporcionalmente à necessidade antes que ela ocorra:
· A maioria dos serviços ficou ociosa ... os empresários não vão investir enquanto a demanda efetivamente não bater à sua porta para financiar a expansão;
· O mesmo leito que você credenciou está credenciado para outras fontes pagadoras ... é muito importante analisar não somente a quantidade credenciada, mas a disponibilidade real em função da demanda ... com quem você está compartilhando o mesmo leito ?
É necessário planejar já, e estabelecer uma relação de confiança com os serviços ... senão vai faltar rede ... e o acesso à saúde da população e do beneficiário de plano de saúde será muito menor.
Particularmente não quero que o acesso à saúde seja dificultado ... nem como gestor que dá sua contribuição profissional para evitar que isso aconteça, nem como cidadão que utiliza o SUS com frequência nas ações de promoção e prevenção da saúde ... nem como beneficiário de plano de saúde que fica doente “como todo mundo” de vez em quando !