![]() |
![]() |
||
0149 – 08/03/2021
Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
Hospitais Faturando Mal Contra o SUS e a Falta de Reajuste na Tabela SIGTAP: Oportunidade Para Operadoras ... e Dificuldade para Quem Depende do SUS
Se estiver esperando críticas de cunho político ou ideológico às pessoas que ocupam cargos no governo federal, peço não continuar lendo ... perderá seu tempo:
· As críticas aqui são fundamentadas e demonstram uma “cegueira de rotina”, um pouco mais agravada no atual governo que acumula as consequências dos anteriores;
· É “apartidária”, “despolitizada” e “desideológica”.
Se estiver esperando críticas às operadoras em relação aos ressarcimentos, peço não continuar lendo ... perderá seu tempo:
· Se o que a empresa faz não é ilegal ou imoral, não se justificam críticas;
· Existem empresas idôneas e criminosas de qualquer tipo, em qualquer segmento do mercado.
Isso posto ...
Os ministérios da saúde e da economia estão cada vez mais distantes para equacionar alguns problemas que envolvem os sistemas de financiamento da saúde (público e privados):
· É comum a cada 4 anos, quando a eleição troca um governante, a nova equipe desconstruir o que as anteriores fizeram em nome de um “choque de gestão”, ou coisa do tipo;
· Esta mudança típica da área pública é mais radical quando existe troca do partido político, como ocorreu no âmbito federal onde um partido esteve no poder durante alguns mandatos seguidos;
· Quando existe um problema a ser resolvido, se a nova equipe entra e ataca, existe a chance de resolver;
· Mas se a nova equipe entre e não ataca, que é o que ocorre em relação ao tema aqui discutido, a situação se agrava ainda mais.
A Tabela SIGTAP (a tabela de preços do SUS) está sem reajuste “desde quando inventaram a máquina de escrever”:
· A grande maioria das pessoas, inclusive quem trabalha no SUS, pensa que a tabela não sofre atualização;
· Não é verdade: ela é atualizada constantemente com inclusões e exclusões de procedimentos, de compatibilidades ... de substituições de itens de preço menor por itens de preço maior;
· Como a inflação da saúde é grande, porque inovações são incorporadas rotineiramente na prática médico-odontológica, não reajustando os preços os serviços têm dificuldade para manter sua sustentabilidade (serviços públicos que só atendem SUS), ou para manter o contrato para prestar serviço ao SUS (serviços privados).
O atual comando dos ministérios da saúde e da economia só se manifesta sobre o assunto associando a escassez de recursos para financiar o SUS:
· É um erro pensar que existe um “Muro de Berlim” (ou “Muro de Trump” para os mais jovens) que pode isolar os financiamentos do SUS e da Saúde Suplementar;
· Sempre lembro aos iniciantes na carreira de gestão em saúde que não podem mais escolher entre trabalhar no público ou no privado ... têm que conhecer os dois porque estão muito interligados ... e tendem a se interligar cada vez mais;
· O “não reajuste” da Tabela SIGTAP “desincentiva” operadoras a credenciar sua rede para atender seus beneficiários em “todos os cantos” do Brasil;
· Caso o beneficiário do plano utilize a rede pública ... e caso o SUS identificar com sucesso ... a conta é apresentada para a operadora, que é obrigada a ressarcir o SUS ... com a tabela congelada, o valor da conta é muito menor do que ela gastaria com rede credenciada ... então, é claro, não se motiva a habilitar serviços para que os seus beneficiários deixem de utilizar a rede pública.
A outra consequência do não reajuste é a desmotivação dos serviços particulares em atender o SUS:
· Com preços baixos, muitas Santas Casas pelo Brasil (por exemplo) reduzem (ou não expandem) os leitos para atendimento do SUS, e aumentam os leitos para atender pacientes de convênios para manter sua sustentabilidade:
· Para equilibrar a falta de rede o SUS se obriga a realizar mutirões, ou habilitar incrementos pagando mais caro pelos procedimentos do que pagaria;
· E em determinadas situações, o governo acaba financiando os custos dos serviços “por fora” ... por meio de “contratualizações políticas”, sem base técnica que justifique exclusivamente o gasto com o atendimento dos pacientes do SUS ... acaba financiando ensino e pesquisa, reformas, aquisições de equipamentos ... e também pagamentos de dívidas contraídas por incompetência administrativa ou ... melhor parar por aqui !
A crítica que se faz aos ministérios da saúde e da economia, então, é que ao não atacar o problema do reajuste da tabela de preços SUS alegando falta de recursos, está gastando mais do que gastaria se equacionasse o problema:
· Ao atender beneficiários de planos de saúde na rede pública, mesmo que consiga identificar e buscar o ressarcimento, está gastando mais, porque o custo é cada vez maior do que o que consegue “resgatar” com base em uma tabela congelada;
· Reajustar a tabela SIGTAP daria mais chance do governo atender a população dependente do SUS (a que não tem dinheiro para pagar por um plano de saúde), sem ter que se utilizar de critérios “discricionários” que podem favorecer aos “esquemas fraudulentos” que vão se multiplicando, como temos visto na mídia nos últimos anos.
(*) Todos os gráficos são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil
Grande problema da “troca de equipe na área pública” é a “descapacitação dos agentes públicos”:
· O gráfico demonstra que dos 1.652 procedimentos principais de AIH’s (tipos de contas das internações no SUS), 810 (49 % ... quase metade) tiveram o valor médio reduzido entre 2019 e 2020;
· Veja que não estamos tratando o valor pago, que evidentemente em 2020 foi menor que 2019 por conta da pandemia, mas do valor médio pago pelo mesmo procedimento, que não deveria reduzir, porque os preços da tabela não mudam !
· Com uma mesma tabela e sem reajuste, este indicador reforça a terrível conclusão de que os serviços de saúde vão desaprendendo a faturar ao longo do tempo;
· Em 218 deles (mais de 13%) a redução do valor médio foi entre 10 e 34 % !!!
· Ou seja, contas pagas com valor baixo porque a tabela não reajusta há anos, vão ficando mais baixas porque os serviços de saúde continuam fazendo os procedimentos mas vão perdendo a capacidade de apresentar a conta de forma correta !!!!!
O turnover nos processos e pessoas nos serviços de saúde públicos e privados que prestam serviço ao SUS é grande:
· A maior parte dos profissionais envolvidos em faturamento e auditoria de contas não é de concursados;
· Para os que são concursados o plano de carreira não o segura na área de faturamento/auditoria ... a carreira não inicia no setor, e não termina no setor;
· É comum o profissional entrar na área e não receber capacitação adequada ... o colega ensina, segundo o conhecimento que ele aprendeu “na marra” ... e quando “fica bom” é promovido para outra área;
· Por exemplo: em 2016 dei curso para quase 200 pessoas dos serviços de saúde da administração direta do Estado de São Paulo, e na pesquisa realizada com eles, mais de 82 % nunca tinha tido um curso estruturado sobre a Tabela SIGTAP e ferramentas para melhorar o faturamento;
· Se visitar os mais de 40 serviços cuja área de faturamento era gerida por eles hoje, não vou ter contato com a maioria, porque houve troca de governo ... mesmo sendo do mesmo partido, é uma “outra ala”. Se refazer a pesquisa hoje é muito provável que mais de 80 % digam que nunca tiveram capacitação adequada;
· Outro exemplo: em 2018, financiado por uma farmacêutica, dei curso para dezenas de hospitais em algumas capitais do Brasil porque eles faturavam mal quimioterapias. Em 2018 e início de 2019 o valor do repasse per capita de quimio melhorou ... e depois caiu novamente ... infelizmente.
É verdade que tivemos procedimentos com aumento no valor médio das contas:
· Mas ~44% de aumento contra 49 % que redução;
· E quase 100 % desses 43,9 % em atendimentos fora do normal ... restringindo somente às urgências durante a pandemia, a média de permanência maior do que a média histórica, o que acaba carregando mais itens 6, 7 e 8 na conta (medicamentos de médio custo, OPME e diárias de UTI).
Dos procedimentos que tiveram redução do TM, a maioria absoluta é dos cirúrgicos:
· Mas também temos procedimentos clínicos (11,5 %);
· Proporcionalmente em relação à complexidade de faturamento, 11,5 % de clínicos (contas muito mais simples) é “mais grave” do que 85,3 % de cirúrgicos ... porque as contas dos clínicos são de menor complexidade para faturar ... menos itens e menos restrições de compatibilidades.
Nos procedimentos clínicos, o que vemos é que as estruturas de faturamento dos hospitais:
· Estão “perdidas” em relação aos tratamentos (subgrupo 03), sinalizando que estão faturando as contas como se fossem “pacotes”, sem lançar tudo o que se pode dos demais grupos;
· E chama atenção de 8 % dos procedimentos serem de nefrologia ... que tem custos importantes, e também são “muito padronizados” !
Analisando os procedimentos cirúrgicos que tiveram queda de TM, vemos que são de quase todos os subgrupos:
· Os de ortopedia com alto índice de OPME ... sinalizam que usam o OPME mas só conseguem faturar o procedimento ... uma catástrofe facilmente evitada com uma estrutura adequada para faturar;
· Igualmente para os de cardiologia;
· Mas, como se pode ver, também em procedimentos que “passam longe” do OPME ... sinalizando o faturamento do procedimento principal com erros nos secundários e itens adicionais ... algo relativamente simples de evitar com o uso de checklists bem desenvolvidos.
O fato é que em tempos em que o recurso é mais escasso, em função da falta de planejamento por parte dos ministérios da saúde e da economia para equacionar o financiamento do SUS, não se pode perder qualquer centavo na receita:
· Pela lista é fácil entender o que significa esta falta de capacitação em faturar as contas SUS;
· Perder mais de 30 % no valor médio destas contas do quadro não é 1 centavo por conta ... são centenas ou milhares de Reais por conta;
· Faz muita falta aos gestores da área pública para manter o acesso da população que depende do SUS;
· E ao mesmo tempo, agrada gestores de operadoras de planos de saúde quando recebem a ABI com valor inferior para pagar.
Vale lembrar que mesmo recebendo uma ABI de valor menor, a Operadora ainda tem chance glosar itens:
· O serviço de saúde que fatura mal para o SUS, erra “para mais” e “para menos”;
· Lança uma conta faltando itens, e ao mesmo tempo inclui itens indevidamente;
· A Operadora recebe uma conta com valor menor e ainda identifica “itens alienígenas” ... e recursa ... e ganha !!!
· Não existe nada de ilegal ou antiético em recursar o que está errado ... quem definiu o processo foi o SUS e a ANS ...“êta” processo mal definido !!!
O fato é que o reajuste da Tabela SIGTAP “urge” em ser pautado pelos ministérios da saúde e da economia:
· A cada dia que passa o cenário piora;
· O governo vai gastando mais e financiando mais as operadoras;
· E que não se tome a infeliz decisão de aplicar um reajuste “flat” em toda a tabela ... pelo amor de Deus ... avaliar o que deve ser reajustado em maior ou menor escala é absolutamente fundamental para que a “emenda” não seja pior que o “buraco”.
O fato é que os serviços de saúde que prestam serviços ao SUS não podem “baixar mais ainda a guarda”:
· Quanto mais difícil conseguir recursos, menor deve ser a perda da receita, porque os custos não esperam o governo agir;
· Manter a estrutura de faturamento (pessoas, processos ...) capacitada é questão de sobrevivência, e fundamental para que a população não sofra no atendimento por falta de recursos do serviço;
· Jamais ... jamais ... achar que um sistema informatizado vai resolver o problema ... sistema é “meio”, não é início nem fim ... sistema sem processo bem definido, sem capacitação adequada “dos usuários”, sem estrutura para alimentar e manter atualizada a padronização é “pura despesa” e “desculpa para justificar os erros”.
E o fato é que as operadoras vão continuar aproveitando a ineficiência do governo:
· Pagando (ressarcindo) conforme a lei, o que pode ser muito interessante;
· E ainda glosando com sucesso a ineficiência dos serviços de saúde em faturar, e a ineficiência do SUS e da ANS em definir processos adequados !