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Entendendo os Problemas da Regulação Hospitalar – A Atual Falta de Leitos para Internação COVID-19
Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
O Governo Não Entendeu Que o Vírus Já Não é Nosso Principal Problema – Lockdown Agora Independe do COVID-19
Estamos presenciando “uma grande lambança” que mistura responsabilidades com recursos disponíveis para tratamento dos pacientes COVID-19:
· É importante falar sobre responsabilidades sem politizar ... não adianta mais fazer isso ... o tempo mostrou quantas centenas de milhares de pessoas pagaram com a vida e, infelizmente, quantas ainda vão pagar;
· E é importante também entender que os recursos que estão sendo utilizados no enfrentamento da pandemia não são adequados, especialmente a retaguarda assistencial, porque não foram desenvolvidos para lidar com pandemias ... foram desenvolvidos para lidar com a situação comum (normal) da saúde, onde tudo se baseia em médias ... pandemias são coisas acima das médias !
É comum as pessoas que não tinham conhecimento da existência da regulação no Estado de São Paulo estarem ouvindo falar do “Sistema Cross”:
· Tivemos um episódio lamentável em uma Cidade da Grande São Paulo em que um secretário municipal de saúde atribuiu a morte de uma pessoa ao fato de ter “pedido a vaga no CROSS” e não ter tido resposta ... então “foi aquela baixaria” de sempre ... Prefeitura “jogando a responsabilidade” para o Estado e o Estado desmentindo ... como sempre acontece em episódios politizados;
· Não vale a pena discutir o fato, mas acho que é legal entender um pouco de como se faz a regulação no SUS.
Vamos começar com a definição de que quando um serviço de saúde (hospital, ambulatório, centro de diagnósticos ...) fecha contrato de prestação de serviços com o SUS ... que pode ser através de convênios municipais, estaduais, federais, intermunicipais ... ele se obriga a seguir as regras do SUS:
· Uma das principais ... a que vale a pena comentar para tratar de regulação ... é que as vagas que ele tem passam a não ser mais dele;
· Por exemplo: os leitos de internação para tratamento de pacientes do SUS ficam a disposição do SUS ... ele não pode internar ali pacientes particulares, de convênios, ou mesmo gratuitos, sem a autorização do SUS ... segundo seus critérios e/ou interesses.
Isso ocorre para que o SUS consiga entregar para a população uma fila única, ou seja, para que uma pessoa não passe na frente da outra:
· Se existem “X” pessoas com necessidade de tratamento nas mesmas condições de risco, ou seja, se não existe algum risco de vida maior entre elas, o que chega primeiro na fila deve ser o primeiro a ser atendido;
· Imagine se fosse diferente ... qualquer pessoa que “entrasse no ônibus depois ia querer tirar a pessoa sentada na janelinha e ocupar seu lugar” ... no SUS, um serviço público, nenhuma pessoa pode ter mais direito que outra.
O Brasil fechou 2020 com 7.148 serviços de regulação no SUS:
· São os serviços especializados que podem funcionar dentro de secretarias de saúde, dentro de hospitais regionais ... podem funcionar em todo tipo de lugar, dependendo dos recursos financeiros e da necessidade que cada região tem;
· Como demonstra o gráfico, a UF que tem menos destes serviços possui 10 (Amapá) ... a que tem mais possui 962 (São Paulo).
Elas não funcionam da mesma forma:
· Algumas regulam somente leitos ... outras somente serviços de urgência ... outras regulam somente vagas em exames, em consultas ... e outras regulam tudo;
· Algumas têm sistemas informatizados ... em outras “rola o velho Excel”;
· Mas as regras de regulação ... as diretrizes básicas que todas devem seguir ... são únicas ... definidas pelo SUS.
Não me canso de lembrar como o SUS é fantástico ... construído durante décadas com a participação de milhares de gestores de todo o Brasil:
· Não existe nada organizado desta forma em algum país com tamanho minimamente parecido com o nosso, com população minimamente parecida com a nossa, com a abrangência minimamente parecida com a do SUS (assistência integral para todo mundo) ...
· ... e com a “merreca” dos recursos que o governo destina para a saúde, comparado com os 50 países mais ricos do mundo !!!
Infelizmente “um monte de gente” só critica sem saber o que ele é ... baseado somente nas notícias ruins que mostram as falhas ... tem falhas é claro ... e muitas ... mas raríssimos comentam suas virtudes !
No Estado de São Paulo as unidades de regulação funcionam de forma integrada, no que é chamado de CROSS – central de Regulação da Oferta de Serviços de Saúde:
· Em vários projetos de consultoria “topei” com ele e, algumas vezes, pude dar minha humilde contribuição para que evoluísse ... apenas de pequena contribuição, me sinto muito honrado em ter tido a oportunidade de participar de algo que ajuda tantas pessoas;
· Não é algo novo do atual governo ... é algo que se desenvolve há anos nos governos anteriores e no atual governo;
· As DRS’s (Delegacias Regionais de Saúde), que gerenciam a saúde pública em grupos de municípios próximos (gráfico da direita), coordenam as ações de regulação dos muitos municípios (gráfico da esquerda);
· Isso agiliza o intercâmbio de vagas em regiões mais próximas, reduzindo ao máximo os longos deslocamentos de pacientes;
· Se não fosse isso uma vaga próxima teria preferência em uma outra mais distante ... em linha reta do leste ao oeste do Estado de São Paulo são ~700 quilômetros !
· O Estado de São Paulo, que é “nanico” perto dos maiores do Brasil é do tamanho do Reino Unido ... 10 vezes maior que Israel ... pessoas comparam a saúde destes países com o Brasil ... um absurdo;
· Imagine como seria a distribuição de vagas no Brasil se não fosse a regulação que temos ... como seria no Estado de São Paulo sem o Cross.
Ao contrário do que pode-se pensar, CROSS não é um “aplicativo de computador”:
· Tem um sistema informatizado, sim;
· Mas integrado com ações (processos) das pessoas que atuam na regulação, que não necessariamente estão no escopo do sistema informatizado;
· Depende fundamentalmente dos serviços disponibilizarem as informações de ocupação dos leitos;
· E depende do gerenciamento do gestor público ... a não existência de uma vaga “on line” no CROSS não exime o gestor de saber existe algum problema com o sistema, se existe outra forma de dar encaminhamento ao caso, se existe outra alternativa na sua cidade / região que não seja ocupar um leito do SUS;
· Gerenciar a saúde não é controlar o estoque de produtos em uma loja ... não é uma venda que deixa de ser feita ... pode ser a perda de uma vida.
É “covardia” dizer que uma pessoa morreu por “problema no sistema”, como fazem as pessoas que cometem erros e assim justificam o erro para o consumidor ... esta estrutura de regulação “é meio”, não “é fim” ... a responsabilidade do gestor não pode ser atribuída a um erro de sistema que não existe ... em nenhuma situação o sistema negou um leito que estava disponível ... desafio alguém a provar que isso ocorreu !
Isso tudo é muito bonito, mas foi desenvolvido para situações de normalidade na saúde:
· Procedimentos clínicos e cirúrgicos eletivos (programáveis), que podem esperar;
· Disponibilidade de veículos para transporte de urgência, que existem em maior número do que a necessidade média (comum);
· Exames para diagnóstico ... especialmente nos casos em que o paciente não está esperando o resultado para sobreviver: não está em situação de risco.
Mas estamos em uma fase da pandemia em que esta normalidade não existe mais:
· O próprio Cross deveria ter sido ajustado em função da pandemia, mas não foi;
· Não é possível, por exemplo, que um paciente que está em uma cidade que sem vagas na área pública tenha a mesma prioridade do paciente da outra, se em uma dessas cidades tem leitos privados e na outra não .. em situações de normalidade isso é aceitável ... em uma situação de colapso da saúde pública não !!!
· Vários parâmetros poderiam ter sido incluídos na regulação da pandemia ... alterar o sistema informatizado “é o de menos” ... no caso do Cross “nem se fala” .... tem muita competência na Prodesp para isso ... não digo porque acho, mas porque já participei de inúmeros projetos com eles e sei ... não “ouvi dizer” !
Os governos do mundo estão errando ao “abrir e fechar a porteira” de acordo com a média de ocupação dos leitos de UTI dos últimos 15 dias:
· Isso só poderia ser feito se o ritmo de contaminação fosse constante (aritmético – como a curva reta da figura) ... jamais pode ser feito quando o crescimento é geométrico (como as curvas da figura);
· Para que isso fosse feito, quando a necessidade de leitos aumentasse, poderíamos multiplicar os leitos na mesma proporção ... isso não existe;
· O fato dos leitos estarem desocupando hoje não significa que existe tendência de desocupar ... que eles estarão vagos amanhã ... nem que quando necessitar de novo a mesma quantidade vai dar a mesma eficiência !
Nos países em que a relação de pacientes por leito é menor o impacto deste erro é menor:
· Onde existem proporcionalmente mais leitos para tratar os pacientes, o indicador cai, o governo abre, mais pessoas se contaminam, ocupam o leito, fecha rapidamente e dá tempo de “segurar” a onda com um novo isolamento ... existe “overbooking” mas o problema originado pelo erro é menor ... menos pessoas proporcionalmente morrem;
· Nos locais em que a proporção de leitos de UTI por habitante é menor ... o erro gera proporções catastróficas;
· Como ocorreu em Manaus ... e como agora está ocorrendo em todo o Brasil.
Entendendo o problema causado pelo erro:
· Na maioria absoluta do território brasileiro a quantidade de leitos de UTI por habitante é “ridícula”;
· Como existem algumas cidades com proporção maior, nos primeiros tempos da pandemia elas conseguiram absorver a demanda gerada por outras;
· Como a demanda cresce geometricamente elas também acabaram “pedindo arrêgo” ... não temos mais “poupança” de leitos” !
“Abrir a porteira” em pandemias requer não a análise simples que se aplica nas condições de normalidade:
· Não se pode abrir ou fechar dependendo das vagas em leito;
· Este movimento deve ser feito em relação a previsão de casos, projetando os infectados e a disponibilidade de leitos proporcional, e não os doentes que já estão nos serviços de saúde.
Enquanto isso não estiver sendo feito vamos continuar desta forma:
· Aumentam as vagas;
· O governo pressionado por grupos de interesses econômicos abre;
· A cada “abre e fecha” o número de pessoas que vai necessitar de leitos é muito maior ... se precisou de 10 da última vez, agora precisa de 20 ... e assim por diante;
· E os leitos não crescem com esta proporção ... se abrir a mesma quantidade de leitos dos hospitais de campanha do ano passado não vai adiantar.
O que estamos vivendo:
· No início da pandemia a demanda (necessidade de leitos) era uma;
· Como era maior que os que existiam, até foram construídos hospitais de campanha;
· E fecharam as porteiras e caiu a demanda por um tempo;
· E os governos “fizeram a bobagem” de fechar os hospitais de campanha e “abrir a porteira” para as eleições, as festas de fim de ano;
· Quando veio a segunda onda a demanda foi muito maior;
· Passaram a utilizar praticamente todos os recursos de internação exclusivamente para COVID-19;
· Não foi suficiente ... vimos acontecer em Manaus ... alertamos, dentro daquilo que é possível alertar, mas não adiantou;
· E agora já tem gente morrendo antes de ser atendido em todo o Brasil ... não são poucos ... certamente os números reais não são os que estão sendo divulgados oficialmente, porque estão fora de controle.
Infelizmente vai piorar ... é fácil entender:
· Quando começar a cair o nível de ocupação o governo vai abrir;
· A terceira, quarta, quinta ondas (como gostam de chamar as pessoas que não entendem a pandemia como um processo de crescimento contínuo) ... serão cada vez mais avassaladoras ... porque diferente de outros países nosso ritmo de evitar a contaminação é muito baixo (a vacinação);
· A necessidade progressiva de cada vez mais leitos só vai reduzir quando a maioria da população estiver vacinada ... isso vai demorar muito aqui no Brasil ... não há fato novo que indique ações coordenadas pelas instâncias do governo ... continua “Tudo Como Dantes no Quartel de Abrantes”.
Para ilustrar:
· Teve uma cidade do Estado de São Paulo que entrou na justiça para não aderir a “fase roxa”;
· O prefeito não pode ser acusado de irresponsável ... ele apresentou como justificativa os critérios de classificação do Governo do Estado;
· Ninguém foi para o prefeito tentar explicar ... sensibilizar ... que o critério está errado (e está) ... que a eventual sobra de vagas nos hospitais da sua cidade para o sistema público de saúde não são vagas da sua cidade ... são vagas para serem utilizadas pela regulação do SUS em todas as cidades !
· Quando começar a cair a ocupação de leitos novamente ele vai entrar na justiça de novo, sem se preocupar / saber que quando crescer de novo será pior para a sua própria cidade.
Para ilustrar:
· Tem uma federação estadual de futebol que briga para não paralisar os jogos porque cumpre os protocolos de prevenção contra COVID-19;
· O dirigente não pode ser acusado de irresponsável ... ele apresenta como justificativa os critérios de liberação de atividades do Governo do Estado para estabelecimentos que atendem o público;
· Ninguém foi para o dirigente explicar ... sensibilizar ... que não adianta mais se proteger contra COVID-19 ... se durante uma partida ou o deslocamento um jogador ou u auxiliar tiver um problema cardíaco, um trauma, um AVC ... não haverá leitos para tratamento, porque estão todos ocupados por pacientes COVID-19.
Nosso problema deixou de ser somente contrair COVID-19 ... o sistema de saúde colapsou ... temos que evitar qualquer tipo de doença que necessite de tratamento intensivo !
A discussão “Lockdown Sim ou Não” deixou de ser somente por conta de contrair o vírus ... infelizmente ... tentar sensibilizar a população, políticos, dirigentes, empresários já faz parte do passado.