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Vendida como Diploma, Certificação da Qualidade em Serviços de Saúde Não Evolui

0204 – 21/07/2021

Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil

O Profissional da Qualidade na Saúde Não Sabe Vender o Produto para Hospitais, Clínicas e Centros de Diagnósticos

 

(*) todos os gráficos e tabelas são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil

 

O gráfico mostra a triste realidade da certificação da qualidade em serviços de saúde no Brasil:

·         Há anos não evolui ... e pior ... apresenta tendência de queda ... e muito pior ... a chance da curva ficar ainda mais inclinada para baixo em 2021 é enorme;

·         Somente avaliando a ordem de grandeza dos estabelecimentos certificados (~1.200) em um universo de mais de 8.000 hospitais ... em um universo de quase meio milhão de serviços de saúde no Brasil se contarmos todos os tipos que existem ... é desanimador.

Mas boa parte da culpa deste “desastre” é do próprio profissional da área da qualidade !

Tenho que contar uma história (me desculpem) para me fazer entender:

·         Entre 1990 e 1992 (isso mesmo ... há quase 30 anos) ainda não estava na área da saúde, e era superintendente de uma empresa multinacional japonesa;

·         Um dos maiores clientes era a IBM (que na época ainda fabricava computadores) e passou a exigir que seus fornecedores tivessem certificado ISO-9000, como estavam começando a fazer aqui no Brasil as montadoras de veículos ... uma delas também era cliente da “nossa multinacional japonesa”: a Honda;

·         A matriz do Japão enviou alguns profissionais aqui para o Brasil para auxiliar no processo de certificação, uma vez que quase nenhuma empresa no Brasil tinha ISO-9000 ... e fui um dos brasileiros “eleitos como voluntários” para ser facilitador do projeto;

·         Um dia o “Chairman”, o presidente e o vice me chamaram e passaram a seguinte mensagem: você está fazendo um bom trabalho e vamos entregar o selo para os clientes, mas o que queremos “Enio San” é a qualidade ... o selo tem menos importância ... precisamos aproveitar o projeto para fazer com que os funcionários entendam que o selo é bom para o cliente, mas a qualidade vai ser bom para nós !

·         Assim Fujita San e Maruyama San me fizeram estudar e me empenhar para entender o real significado da qualidade, que ia além do selo, e do Poka Yoke, e do Just in Time, e do Kaisen, e do Kanban, e do Monomossu, e do 5S ...

Et ... quem quiser entender as siglas, tem um livro para download gratuito em www.escepti.com.br/gcpp ... não precisa de login e senha ... é só clicar na capinha para fazer o download gratuito em .PDF.

Mais recentemente tenho participado em projetos de certificação da qualidade na área da saúde:

·         Graças a Deus, o destino fez com que eu não estivesse nem do lado da certificadora, nem do lado do certificado, o que me colocaria em uma posição mais burocrata do que colaborativa no cenário que se formou no Brasil quando se fala em qualidade;

·         Como consultor auxiliando as empresas a se prepararem para o processo de certificação e, principalmente, sensibilizar o administrador do que ele ganha com a qualidade ... o que a empresa ganha e o que ele ganha ... coisa que infelizmente na prática tenho visto raras equipes de implantação e de auditoria terem a dimensão ... profissionais que não conseguem diferenciar a qualidade, do selo de qualidade que são coisas diferentes;

O resultado é o que o gráfico demonstra:

·         A mantenedora pesa o custo do processo em relação ao ganho que “pensa” que vai ter ... e não adere ... ou pior: inicia o projeto e desiste, “jogando uma pá de cal” no assunto;

·         Já tive o desprazer de ter contato com mais de um projeto em que o serviço de saúde achava que ao conseguir o selo, poderia obter reajuste de preços maiores junto às operadoras, porque a norma ... a norma ... a norma ... meu Deus ... quem disse que alguma norma da ANS na prática ... na realidade ... dita regras de negociação de preços na saúde ?

·         O administrador “comprou” um projeto de qualidade pensando em majorar preços ... quando percebeu que isso não é realidade, abandonou o projeto;

·         Ninguém foi a ele dizer o que ganharia com a qualidade ... na verdade, em todos os casos nenhum envolvido tinha condições de lhe dizer !

 

 

Entendendo o cenário:

·         A maioria dos serviços de saúde não está em ONA, JC ... está no PNASS, que “não é o selo dos sonhos” mas é o mais barato;

·         Veja no gráfico que a curva de evolução somente do PNASS é ainda mais acentuadamente decrescente, ou seja, com um pequeno volume de estabelecimentos acreditados, sendo a maioria PNASS e tendo o PNASS a maior queda, o cenário nos próximos anos tende a ser ainda mais desanimador.

Na verdade o conceito qualidade que tive a oportunidade de aprender com “meus mestres japoneses” é pouquíssimo entendido no Brasil.

Muita gente pensa que ter qualidade é fazer algo bom ou ruim:

·         Não é verdade;

·         Bom ou ruim é uma percepção ... qualidade é a capacidade de fazer sempre da mesma forma, e ter competência para fazer sempre da mesma forma;

·         É fácil entender ... um produto que todos conhecem (dois hamburgueres, alface, queijo, molho especial, cebola e picles no pão de gergelim) é um dos de maior qualidade do mundo ... porque é sempre feito da mesma forma em todo o mundo ... tem tanta qualidade que alguns economistas até estimam o custo de vida das cidades comparando preço deste produto em US$ ... tem tanta qualidade que a empresa se dá “ao nojo” de não cobrar pelo lanche se não entregar o lanche em x minutos ... vai ser arrogante assim lá no inferno !!! ... mas é arrogância de quem tem certeza de que tem qualidade !!!!

·         Mas para mim não é um produto bom ... é ruim, não gosto dele ... prefiro o “sanduba da padaria” ... mas admito que tem muita qualidade, a ponto de que, se estiver em algum lugar onde “a padaria não passa confiança”, vou nele “de olhos fechados” !

Pensam que o selo de certificação vai trazer qualidade para a empresa:

·         Nem sempre é verdade;

·         Participei dos projetos de certificação da qualidade em um dos hospitais públicos especializados em cardiologia mais reconhecidos de todo o mundo (aposto que já adivinharam qual é);

·         O selo ONA-1 não mudou praticamente nada nos processos dele, porque ele já tinha qualidade;

·         O selo serviu apenas para atestar a qualidade que ele já tinha !

Posso dizer que salvei um projeto de certificação que o dono de uma operadora estava para abandonar, quando consegui mostrar para ele que o selo tinha menos valor do que o processo que resultaria em redução de gastos, de sinistros e de ações na justiça devido às intercorrências que ocorriam na rede própria, e nas lacunas de credenciamento que ele tinha na rede;

·         Mostrei para ele que o processo de certificação, se levado a sério e com confiança, traria resultado mesmo que o selo não fosse conseguido;

·         Ele experimentou ... e gostou quando viu os resultados ... e até hoje diz que fosse pelo selo não estaria na estatística dos certificados !

 

 

Este gráfico demonstra a participação % de cada tipo de selo em relação ao total no final de 2020:

·         Temos que entender que enquanto qualidade for entendida como uma obrigação normativa, ou instrumento de marketing, este cenário não vai mudar;

·         Veja que a quase totalidade está baseada nos selos mais baratos;

·         Porque o gestor nem entende que o grande gasto financeiro do projeto não está na contratação da consultoria e da auditoria ... está nas horas que seus funcionários vão empenhar para estruturar os processos, documentar de forma adequada, conscientizar os funcionários a trabalhar de forma padronizada;

·         E veja que usei a palavra “gasto” ... porque se o objetivo é obter o selo, é “custo” (tenha certeza disso) ... mas se o objetivo é dotar a empresa de qualidade é “investimento” que vai resultar em redução de custo, aumento de receita, melhoria da imagem institucional, melhoria do clima organizacional, melhoria das condições de trabalho ... estas “coisinhas insignificantes” que os “vendedores do projeto de qualidade” não têm explicitado para quem banca o projeto.

Temos que entender que a equipe de projeto de qualidade não pode ser formada apenas por técnicos de “aferição de requisitos do caderninho” ... tem que conter elementos que produzam “indicadores de negócio” associados à sustentabilidade da empresa (sustentabilidade no sentido amplo: financeira, social, marca ...).

 

 

Enquanto este paradigma não mudar, vamos continuar assistindo a triste realidade da área da saúde:

·         O gráfico demonstra a evolução do número de estabelecimentos certificados por tipo de selo;

·         O otimista, ou interessado, vai nos seminários de qualidade e diz: tem crescido ano a ano ... é verdade;

·         O realista fica postando “que nem eu”: neste ritmo, em relação ao número razoável que deveríamos ter de estabelecimentos acreditados, vamos demorar mais de 100 anos para ter um contingente significativo de empresas que adotaram qualidade como fator de competitividade ... infelizmente, esta constatação “é mais verdade” que a anterior !

 

 

O que é ainda mais verdade:

·         Na época da minha “historinha” lá do início, tínhamos uma meia dúzia de empresas certificadoras ... uma meia dúzia de pessoas que sabiam o que era qualidade ... hoje temos dezenas de milhares ... certificar qualidade fora da área da saúde “banalizou” ... é muito barato;

·         Na saúde ainda temos poucas empresas “controlando” o mercado ... e ainda é muito caro;

·         Vamos lembrar que serviços de saúde não são a meia dúzia dos grandes hospitais que todos conhecem pela fama e pela marca ... são dezenas de milhares de hospitais que “vendem o almoço para pagar a janta” e/ou “filantrópicos que vivem de ajuda” e/ou “pequenos a ponto do administrador ser um faz-tudo” ... por isso a prevalência do PNASS nos gráficos !!!

Se quisermos fazer qualidade deslanchar no Brasil, também precisamos baratear muito o custo das capacitações dos gestores, das consultorias de certificação, do preço do selo:

·         A implantação da qualidade tem que ser acessível, porque não existem condições favoráveis no segmento apostar (investir) e obter o retorno “lá na frente”;

·         Quanto mais serviços de saúde conseguirem incorporar qualidade nos seus processos, melhor será a assistência dos beneficiários do SUS, das operadoras ... menor será o custo ... maior será o acesso da população à saúde ... melhor para todos ... a cadeia de valores ganha !

Se alguma instituição “mais abastada financeiramente” quiser bancar a criação de uma organização sem fins lucrativos que faça isso de graça para serviços de saúde públicos e privados, conheço “um milhão” de profissionais que abraçariam o projeto ... me incluindo no “milhão”, é claro !

Se tiver interesse ... conheça nossos cursos deste eixo temático:

·         Gestão de Processos Aplicada em Empresas da Área da Saúde – www.escepti.com.br/cursos/gppq01

·         Introdução à Gestão de Projetos com Conceitos do PMBOK Aplicados na Área da Saúde – www.escepti.com.br/cursos/gppq02

·         Gestão da Qualidade no Segmento da Saúde – www.escepti.com.br/cursos/gppq03

·         Auditoria e Compliance em Empresas do Segmento da Saúde – www.escepti.com.br/cursos/gppq04

·         Introdução à Gestão de Processos e da Qualidade em Empresas de Saúde – www.escepti.com.br/cursos/gppq11

 

E para informações adicionais sobre cursos e consultorias utilize o canal   contato@escepti.com.br

 

Sobre o autor Enio Jorge Salu

Histórico Acadêmico

·  Formado em Tecnologia da Informação pela UNESP – Universidade do Estado de São Paulo

·  Pós-graduação em Administração de Serviços de Saúde pela USP – Universidade de São Paulo

·  Especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas

·  Professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta

·  Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unimed

Histórico Profissional

·  CEO da Escepti Consultoria e Treinamento

·  Pesquisador Associado e Membro do Comitê Assessor do GVSaúde – Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da EAESP da Fundação Getúlio Vargas

·  Membro Efetivo da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares

·  CIO do Hospital Sírio Libanês, Diretor Comercial e de Saúde Suplementar do InCor/Fundação Zerbini, e Superintendente da Furukawa

·  Diretor no Conselho de Administração da ASSESPRO-SP – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação

·  Membro do Comitê Assessor do CATI (Congresso Anual de Tecnologia da Informação) do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas

·  Associado NCMA – National Contract Management Association

·  Associado SBIS – Sociedade Brasileira de Informática em Saúde

·  Autor de 12 livros pela Editora Manole, Editora Atheneu / FGV e Edições Própria

·  Gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado