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A Inflação da Saúde Suplementar Regulada pela ANS

0270 – 28/04/2022

Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil

Todo ano uma nova “matemágica” da ANS para autorizar reajustes de planos individuais

 

(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti

O mais fascinante da gestão na saúde é a necessidade de analisarmos de “forma matricial”:

·         Quando empacotados por uma mesma embalagem, se não abrir o embrulho não sabemos que se tratar de presentes completamente diferentes;

·         Na área da saúde “coisas” que só têm em comum o médico, assessorado por uma equipe de profissionais assistenciais multidisciplinares, cuidando do paciente criam “mundos” diferentes ... sistemas de financiamento e modelos de remuneração que exploram comercialmente esta atividade assistencial;

·         Empresas ... instituições ... que formam grupos que não têm nada a ver umas com as outras;

·         Começam definindo 3 sistemas de financiamento completamente diferentes: o SUS, a Saúde Suplementar Regulada pela ANS e a Saúde Suplementar Não Regulada.

Como são sistemas de financiamento muito diferentes ... “na cor, gosto e cheiro” ... têm índices de inflação completamente diferentes ... não têm nada a ver um com os outros.

E o mais fascinante ainda é que, mesmo dentro de um mesmo sistema de financiamento, a forma de medir o índice que se reflete para a população (a consumidora final do produto) é completamente diferente da forma de medir o índice para quem produz (o hospital, por exemplo) ... ou para quem intermedia o pagamento do financiador (o beneficiário) para quem produz: a operadora de planos de saúde !

E outro post (25/3) discorremos sobre a medição da inflação hospitalar ... a instituição que produz:

·         E o cálculo se baseou na variação de preços de aquisição dos insumos;

·         Chegamos ali a uma inflação em 2021 que se aproximou de 35 %;

·         E estressamos a discussão de que é um índice que demonstra tendência, e que não pode ser aplicado para reajustar contratos entre hospitais e operadoras, por ser um índice geral, cujas variações regionais e dependentes da carteira de beneficiários que a operadora leva para cada hospital serem muito diferentes.

Este índice jamais pode ser utilizado para medir a tendência de inflação para a população que adquire planos de saúde ... ou as empresas que contratam planos de saúde para seus funcionários. E o foco aqui é estressar a discussão de que não existe ... não pode existir ... um único índice de inflação para reajustar o preço de planos de saúde no Brasil.

A figura ilustra uma manchete no Portal do G1 que demonstra uma evolução dos reajustes de planos individuais:

·         A teimosia da ANS em regular desta forma os reajustes de planos individuais tem inviabilizado a atuação de empresas no setor, além de estar reduzindo a qualidade dos planos de saúde ano após ano;

·         A mídia, como demonstra a manchete, não tem especialistas em saúde suplementar regulada, e acaba caindo na “arapuca mais elementar para presas fáceis”: utilizar números verdadeiros, mas que não se aplicam para analisar o fato específico que está em pauta;

·         O que a ANS divulga e/ou o que pessoas que inadvertidamente compilam de dados do site da ANS para discutir reajustes de planos de saúde invariavelmente é uma “matemágica” que Einstein não conseguiria explicar mesmo que vivesse 1.000 anos ... na verdade: nem Freud explicaria, se é que me entende !

 

 

Pela minha especialização em gestão de contratos, costumo conduzir alguns projetos de consultoria também fora da área da saúde:

·         Um dos projetos que tive a oportunidade de conduzir nesta especialidade foi no Operador Nacional do Sistema Elétrico (RJ e DF) ... conduzir com muita honra, diga-se de passagem !

·         E como minha formação inicial foi na área de engenharia elétrica (antes de me especializar em gestão hospitalar e gestão da saúde) posso fazer a comparação com a consciência muito tranquila ... com a certeza de não falar muita bobagem ao comparar e diferenciar completamente o segmento de energia com o da saúde ... e a atuação das agências reguladoras de dois segmentos tão distintos !

O mapa do Brasil acima ilustra a distribuição das nossas usinas hidroelétricas – um dos nossos “orgulhos nacionais”:

·         É um mercado regulado pela ANEEL (o conteúdo foi extraído do site da ANEEL);

·         Vamos lembrar que diferente da saúde em que a participação de empresas privadas é livre segundo nossa Constituição Federal, no caso de energia não é;

·         As empresas são concessionárias – é o próprio governo prestando serviço através de empresas privadas, portanto a ANEEL “manda prender e manda soltar” ... tem total autoridade para regular completamente o segmento, mas não se exime da responsabilidade sobre a prestação do serviço à população;

·         Os reajustes de preços não vão viabilizar somente as empresas concessionárias ... vão viabilizar o próprio governo na sua obrigação de prestar o serviço !

Bem ... os sistemas de geração e distribuição de energia são interligados:

·         A energia produzida em um local não é necessariamente consumida neste local de origem ... voce pode estar consumindo energia para ler este texto que foi gerada a milhares de quilômetros de distância de onde está localizado;

·         E o produto é único: energia elétrica é energia elétrica em qualquer lugar, seja para carregar o celular, tomar banho, assistir TV, ligar o ventilador ...

·         Então, se voce estabelece critérios de reajuste de preços de energia em âmbito nacional, por conta desta interligação ... por conta de ser um único produto ... por conta do governo ser o único fornecedor ... funciona !

Funciona principalmente porque os custos são distribuídos em todo o sistema, e porque a arrecadação (o dinheiro pago por nós nas contas) também acaba sendo distribuído, afinal boa parte são tributos (impostos, taxas e contribuições), e são significativos em relação ao total pago na conta, e acabam engordando os próprios cofres públicos !!

Mas com saúde onde não tem nada a ver o custo de um procedimento realizado em um local distante do outro, e “embarca” algo em torno de 30.000 produtos diferentes, não funciona:

·         É uma prestação de serviço personalíssima ...

·         ... realizada com matéria-prima completamente diferente (o paciente) ...

·         ... por profissionais de formação, experiência e competência completamente diferentes (médico, enfermagem ...) regionalmente ...

·         ... em mercados completamente diferentes (geografia econômica de cada região) – embarcando inflações de insumos regionais completamente diferentes;

·         ... envolvendo milhões (não é exagero: são milhões ... basta ver o CNES) de fornecedores na cadeia de valores da prestação de serviços.

Na saúde, estabelecer um índice nacional não funciona !! ... não tem a menor chance de funcionar !!!

·         Estabelecendo um índice médio de inflação ... na média ... a ANS erra no atacado ... é algo absolutamente inexplicável;

·         Um índice nacional, seja lá qual for ... não se adequa a realidade de 100 % dos envolvidos ...

·         ... cada operadora de planos de saúde ... cada empresa contratante de planos de saúde para seus funcionários ... e cada beneficiário de plano individual;

·         É bom que se diga que o que a ANS faz reajustando planos individuais também afeta empresas contratantes de planos sim: por exemplo – tanto que uma parcela já significativa delas (faz tempo) abandonou a concessão de planos de saúde coletivos para conceder vale saúde aos funcionários, porque “cansou” da regulação dos planos de saúde !

Vamos entender bem isso ...

 

 

A tabela demonstra a evolução percentual (a variação percentual) dos gastos assistenciais das operadoras entre 2019 e 2020, e entre 2020 e 2021:

·         As operadoras estão agrupadas segundo a ANS, por modalidades (tipos);

·         Os dados foram coletados no próprio site da ANS;

·         Perceba que a variação dos gastos assistenciais de cada modalidade variou da “água para o vinho” nos anos de pandemia;

·         Na verdade sempre variaram da água para o vinho desde que se tem informações das operadoras à disposição ... é só tabular com os dados do próprio site da ANS;

·         As despesas assistenciais são a essência dos custos das operadoras para pagamento das despesas que os beneficiários geram nos serviços de saúde ao utilizarem o plano de saúde – a inflação real da saude suplementar regulada, sob o ponto de vista da operadora !

·         Esta variação é a que serve de base para definir o que chamamos de “sinistralidade” que é a base para se definir o reajuste de preços dos planos de saúde: quando a utilização dos serviços por parte dos beneficiários aumenta, aumentou a sinistralidade, e o preço deve ser reajustado para cima ... se diminui, o preço deve ser reajustado para baixo !!

Somente olhando para esta tabela já é possível entender que não é possível que exista um único índice de inflação que possa ser aplicado para todas elas:

·         Qualquer índice que represente algo que varie entre -4,4 % e -10,9 % (o dobro), ou entre 11,9 % e 36,7 % (mais que o triplo) é espuma, fumaça ... nada que possa ser considerado sólido;

·         E nem, como dito lá em cima, tem nada a ver com a inflação na origem ... nos serviços de saúde ... duvida ? ...

·         ... pergunte para qualquer administrador hospitalar se em 2020 os custos reduziram ...

·         ... ou se em 2021 aumentaram na casa dos 36,7 % em média ...

·         ... me aponte um único administrador que confirme isso e “Deus poupará todos em Sodoma e Gomorra” !

Nesta variação que considera somente os gastos assistenciais, existe mistura de planos individuais com os coletivos:

·         A ANS acha correto definir o reajuste dos individuais, mas não interfere no reajuste dos planos coletivos;

·         Outra coisa bem “engraçada”: a maioria absoluta dos planos comercializados (~80 %) são coletivos ... ou seja, a ANS define o reajuste dos planos individuais, que são minoria, e deixa para “livre negociação” os preços da maioria;

·         É como se a ANEEL, por exemplo, dissesse que vai regular os preços da tarifa de energia das empresas, que são minoria, e deixasse para “livre negociação” o reajuste da tarifa de energia elétrica das residências ... é engraçado ou não é ?

 

 

Na verdade, se tem alguma instituição “na face da Terra” que não pode alegar que as operadoras e seus planos de saúde não têm nada a ver umas com as outras ... esta instituição deveria ser a ANS:

·         Os dados que constroem as pizzas são colhidos no próprio site da ANS;

·         Demonstram como se distribuem os gastos das operadoras;

·         Os pedaços cor de “frango com cheddar” representam os gastos assistenciais, proporcionalmente em relação aos demais gastos (comerciais, administrativos e outros);

·         Dá para entender que não tem como a variação inflacionária de um tipo “chegar perto” dos outros;

·         Temos operadoras que necessitam “brigar pelo mercado” e tem uma maior parcela de gastos comerciais;

·         Temos operadoras mais e menos eficientes que gastam proporcionalmente mais ou menos administrativamente.

Nem parecem ser do mesmo país ... para quem não é do ramo duvida que sejam dados coletados de empresas que atuam no mesmo segmento de mercado no mesmo planeta, tamanhas são as diferenças !

 

 

Quando analisamos ainda mais detalhadamente a evolução desta distribuição tudo acaba ficando muito mais evidente:

·         O cenário antes, durante e quase depois da pandemia afetou de forma absolutamente diferente cada um dos tipos;

·         É só perceber que quando representamos os tipos de gastos por colunas ao longo dos 3 anos, vemos que as colunas não guardam proporcionalidade;

·         Uma autogestão, como a Cassi, que cuida da saúde dos funcionários de uma única empresa (Banco do Brasil), que se situam em classes econômica e social específicas, foi afetada completamente diferente de uma seguradora, como o Bradesco, que presta serviços de assistência médica para pessoas das mais variadas classes econômicas e sociais ...

·         ... foi diferente para a autogestão dos funcionários do município de Xiririca da Serra, dos que compram o “plano diamante” da medicina de grupo de marca ...

 

 

Até mesmo quando isolamos as operadoras que comercializam planos exclusivamente odontológicos, que têm matriz de custos muito ... mas muito ... mas muito mais simples do que a dos planos de assistência médica, tudo que discorremos acima se repete:

·         Os gráficos mostram as mesmas características;

·         E olha que neste caso são apenas 2 tipos;

E considere que assistência odontológica também afeta o que está descrito lá em cima quando tratamos das operadoras de assistência médica, porque boa parte delas também comercializa planos com odontologia ... outra “coisa engraçada” da ANS:

·         Permite que operadoras de assistência médica comercializem planos odontológicos;

·         Mas não permite que operadoras de planos odontológicos comercializem planos de assistência médica

·         Coisa que prejudica a sustentabilidade tanto da cooperativas médicas, como de dentistas !

·         E ... pior ... em qualquer outro segmento a venda de “produtos casados” (assistência médica e assistência odontológica) é proibida ... na regulação da ANS não é !!

Se isso já foi suficiente para entendermos que um índice que mede tendência de inflação não pode ... não deve jamais ... ser utilizado para reajuste de preços, ainda falta um “pequeno detalhe”:

·         Todos estes números e gráficos foram construídos com dados gerais, de todas as operadoras;

·         Quem, como eu, trabalha profissionalmente com dados segmentados regionalmente sabe o quanto variam pelo Brasil;

·         E não é uma questão de separar capitais de outros municípios ... ou segregar regiões metropolitanas acima de X mil beneficiários das demais;

·         Não existe uma única fórmula matemágica que possa justificar “colocar toda esta farinha no mesmo saco” !

A Geografia Econômica da Saúde é implacável: se algum instituto, seja lá qual for, publicar um índice de inflação da área da saúde para todo o Brasil, ou não é do ramo da saúde, ou não é do ramo da economia, ou não tem a menor ideia do que é o Brasil ... pensa que está em Israel, na Suíça ou em algum outro pequeno país em território, população ou diversidade socioeconômica !

Enfim ... são raríssimos os índices de variação de inflação que podem ser aplicados em reajustes de contratos:

·         No caso da energia elétrica, que é um sistema único, ele funciona ... com vieses, mas funciona;

·         Seguros por exemplo ... o seguro do seu carro, da sua casa ... é individual e não é reajustado por um índice nacional – voce sabe disso quando renova o seu seguro não é verdade ? ... o que vale é a velha e eficiente lei da oferta e da procura !

·         Nem em contratos de aluguel de imóveis aplicar o índice de variação da construção civil tem a ver ... a inflação da construção civil regionalmente não tem nada a ver ... por isso locador e locatário invariavelmente negociam o reajuste segundo as condições particulares do mercado onde o imóvel se situa, independente do contrato “rezar a aplicação de algum índice” ... isso é tão claro, não é verdade ?

A ANS divulgando um índice nacional de reajuste de planos individuais ... editando resolução normativa “rezando” que contratos não reajustados entre operadoras e serviços de saúde são automaticamente reajustados por um índica até que a negociação ocorra ... é inacreditável ... injustificável ... !!!

O que motiva a ANS a agir desta forma é impossível de entender ... se é pressão de grupos de interesse, se é política ... seja lá o que for é inexplicável: o resultado é esta matemágica pura !!!!

Na verdade a ANS caiu em uma armadilha de regulação que não consegue se desvencilhar ... não é problema dos funcionários da ANS, de falta de competência, de falta de treinamento ... longe disso ... mas muito longe disso ... que fique muito claro.

O que é necessário é um reposicionamento da agência ... deixando de tentar se equiparar com as outras agências reguladoras, porque igual não pode ser, e deixando de intervir desta forma em um mercado no qual a Constituição do Brasil define como sendo “livre para a iniciativa privada” !

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Sobre o autor Enio Jorge Salu

Histórico Acadêmico

·  Formado em Tecnologia da Informação pela UNESP – Universidade do Estado de São Paulo

·  Pós-graduação em Administração de Serviços de Saúde pela USP – Universidade de São Paulo

·  Especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas

·  Professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta

·  Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unimed

Histórico Profissional

·  CEO da Escepti Consultoria e Treinamento

·  Pesquisador Associado e Membro do Comitê Assessor do GVSaúde – Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da EAESP da Fundação Getúlio Vargas

·  Membro Efetivo da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares

·  CIO do Hospital Sírio Libanês, Diretor Comercial e de Saúde Suplementar do InCor/Fundação Zerbini, e Superintendente da Furukawa

·  Diretor no Conselho de Administração da ASSESPRO-SP – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação

·  Membro do Comitê Assessor do CATI (Congresso Anual de Tecnologia da Informação) do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas

·  Associado NCMA – National Contract Management Association

·  Associado SBIS – Sociedade Brasileira de Informática em Saúde

·  Autor de 12 livros pela Editora Manole, Editora Atheneu / FGV e Edições Própria

·  Gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado