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Produto Plano de Saúde: cada vez menos do que era antes

0303 – 31/10/2022

Referências: Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil

Mercado vai engordando de beneficiários, mas emagrecendo os produtos

 

(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti

Mais uma vez as Professoras Marcela Marrach Coutinho, Glauce Roseane de Almeida Brito e Deise de Carvalho me brindaram com a oportunidade de ministrar aula na turma de pós da Faculdade Einstein sobre o cenário de sustentabilidade da saúde suplementar ... como é bom poder discutir o tema com profissionais em um cenário em que estamos todos livres do viés de ser operadora de planos de saúde, ou serviço de saúde, ou fornecedor ... e em uma instituição de “ilibada reputação” ... não tem preço ! ... sempre uma honra !!

Já escrevi demonstrando que a pandemia mudou praticamente nada no perfil epidemiológico da parcela da população privilegiada que tem plano de saúde:

·        O público é praticamente o mesmo;

·        O cliente tem praticamente a mesma característica epidemiológica;

·        Mas é fato que nos últimos anos a população empobreceu ... como é bom falar isso agora que passaram as eleições e ninguém vai ficar me rotulando como de esquerda, centro, direita ao afirmar isso ! ... ao comentar sobre o que os números comprovam !!

População mais pobre: então a tendência é a venda de produtos cada vez com menor valor agregado ... custo menor e preço menor ... para “caber no bolso” de quem compra ... e no caso de produtos na área da saúde: “muito infelizmente que isso aconteça” não é verdade ?

O gráfico da esquerda demonstra que o volume de beneficiários cresceu entre dezembro de 2019 e junho de 2022:

·        Tanto dos beneficiários de planos de assistência médica e odontológica (AMO) que gira em torno de 50 milhões;

·        Como dos beneficiários de planos exclusivamente odontológicos (AO) que já beiram 30 milhões;

·        Já observando as linhas de tendência deste gráfico dá para perceber que o aumento dos beneficiários de planos exclusivamente odontológicos foi maior ... a linha está mais “empinada” ... muito mais empinada !

O gráfico da direita ilustra a participação do total de beneficiários AMO e AO em relação ao total de ~79,5 milhões:

·        A proporção vai seguindo a tendência de inversão nos próximos anos ... em 2019 AMO era ~64,4 % do total e em 2022 caiu para ~62,5 %;

·        Naturalmente, inversamente proporcional na conta, AO aumentou e ~35,6 % para ~37,5 %;

·        Já sinalizando que as vendas do produto mais barato (o exclusivamente odontológico) ... muito mais barato que o de assistência médica e odontológica, diga-se de passagem ... o produto mais barato é mais acessível e vai conquistando cada vez mais “Market Share” em relação ao outro !

Vamos aqui comparar a evolução do produto saúde suplementar citando apenas as empresas que operam planos de assistência médica e odontológica:

·        Autogestões, Cooperativas Médicas, Medicinas de Grupo e Seguradoras;

·        Vamos deixar fora da discussão as que comercializam exclusivamente planos de odontologia (Cooperativas Odontológicas e Odontologias de Grupo), porque para elas o produto final continua sendo o mesmo – apenas odontologia;

·        E vamos deixar de fora as filantropias, primeiro porque têm uma participação muito pequena neste cenário, e segundo porque a maioria delas têm como foco do negócio o seu serviço de saúde – aquele que originou a necessidade de criar um plano de saúde para melhorar a sustentabilidade do serviço de saúde ... seu plano existe para viabilizar seu serviço de saude ... não é o “core business” da mantenedora.

 

 

Neste cenário, o gráfico da esquerda demonstra a evolução de beneficiários AMO de cada uma destas modalidades antes e depois da pandemia:

·        Apenas as autogestões reduziram o volume de beneficiários;

·        As demais tiveram aumento de beneficiários.

No gráfico da direita que demonstra a evolução dos beneficiários AO destas modalidades:

·        Também, apenas autogestões reduziram beneficiários;

·        O volume de beneficiários AO nas autogestões é tão pequeno que quase nem dá para ver direito a linha de tendência.

Somente analisando estes gráficos já é possível perceber que nas operadoras que visam lucro estão diversificando seus produtos para captar clientes:

·        O produto original ... o de assistência médica cheio ... livre escolha ... abrangente ... o que qualquer beneficiário pede para o papai noel em dezembro ... tende a ser comprado por uma parcela da população cada vez menor ... não que a população não queira ... mas porque não quer pagar por ele;

·        E a oferta de planos exclusivamente odontológicos é uma estratégia que, por enquanto, está dando certo;

·        Das operadoras que visam lucro, a que menos está explorando o mercado odontológico são as cooperativas médicas, porque existe “meio que” uma questão ética entre médicos cooperados e dentistas cooperados ... de um não invadir a área de atuação do outro ...

·        ... o que definitivamente não existe nas medicinas de grupo e seguradoras, onde médico e dentista é, para efeito de modelo de negócios, “a mesma coisa” !

 

 

Estes gráficos fantásticos comparam o Market Share dos tipos de operadoras nos dois produtos – o de assistência médica e odontológica, e o exclusivamente odontológico.

O da esquerda demonstra entre o antes e o após a pandemia da participação das operadoras na comercialização dos planos AMO ... ele não totaliza 100 % porque excluímos as filantropias ... mas chega bem perto de 100 se fizer a conta;

·        Vemos que a pandemia reduziu a participação proporcional das autogestões ... na verdade esta redução proporcional vem desde antes da pandemia .. mas a redução é bem pequena (~0,7 %);

·        Seguradoras se mantém praticamente na mesma participação e medicinas de grupo e cooperativas aumentaram ... também muito pouco;

·        Dá para cravar que o mercado AMO ficou bem estável.

Mas o gráfico da direita, que demonstra a evolução da participação do mercado das operadoras na oferta de planos exclusivamente odontológicos:

·        Está longe de totalizar 100 %, porque deixamos de fora as cooperativas odontológicas e as odontologias de grupo que têm uma “fatia importante do bolo”;

·        E é absolutamente fantástico porque demonstra que as operadoras que vendem planos de assistência médica estão “abocanhando” cada vez mais o mercado dos planos exclusivamente odontológicos;

·        O crescimento das medicinas de grupo e seguradoras neste mercado “é surreal” !

 

 

Enquanto o mercado de planos de assistência médica cresceu ~5,6 % em 3 anos (azul escuro do gráfico da esquerda) ... o de planos de assistência exclusivamente odontológica cresceu ~15 % (azul escuro do gráfico da direita):

·        Em apenas 3 anos seguradoras e medicinas de grupo aumentaram “ali pela casa” dos 50 % do mercado de planos exclusivamente odontológicos ... haja apetite !

·        Mesmo cooperativas médicas “com questões éticas e os nhem nhem nhems” ... tiveram acréscimo de mais de 8 % na carteira destes beneficiários.

Todos estes números escondem para os desatentos que as operadoras de planos de assistência médica estão buscando, entre outras alternativas, incrementar as vendas de planos exclusivamente odontológicos para combater o grande desafio que estão tendo com a “inflação da saúde médico-hospitalar” x “reajuste da contraprestação baseada na sinistralidade” nos planos de assistência médica:

·        Os custos da assistência médico-hospitalar cresceram exacerbadamente ... muito maiores do que qualquer índice oficial, e muito maiores do que a inflação que existe “fora da bata branca”;

·        Novamente ... como é bom poder falar sobre isso agora que não existe mais o viés das eleições em que cada candidato ... cada partido ... cada instituto de reputação duvidável patrocinado pelos partidos políticos ... cada um mostra um número obtido pela “matemágica” que nem Einstein nem Freud conseguiriam justificar ! ... para favorecer o seu candidato, ou apavorar o outro empiricamente !!

·        Quem faz compras ... quem paga conta ... quem vive no Brasil real sabe que estamos em um período de hiperinflação que nenhum instituto, mesmo os mais sérios, está conseguindo medir !!!

·        Se voce está reclamando que a conta do supermercado está aviltante ... é porque não tem intimidade com contas hospitalares – pergunte para qualquer administrador hospitalar ... para qualquer gestor da cadeia de suprimentos na área da saúde ... pergunte para quem lida com preços de compra como profissão ... veja se existe algum índice que reflita minimamente o que eles estão vivendo na prática ?

·        Do início da pandemia para cá não é raro ... não são poucos ... na verdade são muitos e muitos ... os insumos (medicamentos, materiais, gases medicinais ...) que aumentaram mais de 50, 60 ... 100 ... 200 %;

·        Quem recebia uma conta hospitalar para pagar antes e ficava nervoso ... hoje chora ... enfarta !

As operadoras então:

·        Por um lado mudam “controlam” a cobertura restringindo cada vez mais os serviços de saúde que cobram mais caro ... não somente os que desperdiçam mais ...

·        Por outro lado reforçam a estrutura comercial para captar clientes para planos de assistência odontológica que, apesar de serem mais baratos, proporcionalmente têm uma rentabilidade excelente comparada com os planos de assistência médica ... não se deixa uma boca na UTI ... o OPME mais caro na Odonto custa “dinheiro de pinga” comparado com o preço do OPME médico hospitalar ... é outro nível de custo e de eventos de alto risco para a sinistralidade !!

Nas operadoras que ofertam planos médico hospitalares que “hoje” não tem uma estrutura específica para desenvolver produtos com redes ultra restritas, especialmente na alta complexidade, o “amanhã” é com emoção ... a sustentabilidade é pura loteria !

 

 

Este gráfico (que gráfico espetacular !!!) demonstra bem este cenário ...

·        As barras azuis demonstram a variação do ticket médio mensal (valor médio mensal) que as operadoras receberam por beneficiário antes e depois da pandemia;

·        As laranjas demonstram a variação do ticket médio mensal que as operadoras pagam para os serviços de saúde por atendimentos que os beneficiários realizam nos serviços de saúde;

·        Todas as que tiveram evolução de custo (barras laranja) tiverem evolução menor de receita;

·        Mesmo as medicinas de grupo que tiveram redução de custo, tiveram redução ainda maior de receita !

E perceba que o maior % de aumento de custo (27,8 %) apresentado para as autogestões em 3 anos ...

·        ... é fichinha perto da inflação médico-hospitalar em 3 anos !

·        Qualquer administrador hospitalar “soltaria fogos a noite toda” se os seus custos tivessem neste período subido menos que 30 % ... novamente: pergunte para qualquer um se isso é mentira !!

Como é possível que o custo das operadoras tenha sido proporcionalmente menos que os custos da assistência médica ?

Os números demonstram claramente o que está acontecendo:

·        Tudo que é possível fazer para restringir o acesso dos beneficiários, que não seja ilegal, imoral ou antiético ... é feito;

·        O produto plano de saúde está cada vez mais restrito;

·        Diferente dos produtos telecomunicações, energia, saneamento, transportes ... que bem ou mal “vão entregando” um pouquinho mais para os usuários ...

·        ... assistência médica vai “emagrecendo” ... reduzindo a escolha do usuário, aumentando o tempo “para isso e para aquilo”, aumentando a necessidade de justificar “isso ou aquilo” ... questionando “esta ou aquela” conduta ...

·        ... “entregando cada vez menos” ao usuário !

É constrangedor ver que o produto Telecom, entregue 100 % “de mão beijada” pelo Brasil para o capital estrangeiro, evoluiu tanto nos últimos anos a ponto de sairmos do “modem de linha discada” para o 5G, enquanto na saúde no mesmo período os planos de saúde reduziram substancialmente a abrangência, qualidade ...

·        O beneficiário de plano de saúde vai ficando cada vez mais “que nem cachorro na frente do forno da padaria”: vendo o frango assar, e sem nunca poder dar uma dentada;

·        Vê hospitais de primeiríssimo mundo evoluindo na qualidade do acolhimento, na utilização dos melhores protocolos assistenciais, na oferta dos melhores equipamentos, embarcando os melhores profissionais assistenciais do mercado (médicos, enfermagem ...) ...

·        ... vê tudo isso ... mas seu plano “não cobre” e/ou “não pode isso” e/ou “não pode aquilo” e/ou “tem que pagar alguma coisa por fora” !

É bom que se diga que algumas operadoras estão “fazendo a lição de casa direitinho” – como todos os beneficiários de todos os planos de saúde gostariam que todas as operadoras estivessem fazendo:

·        Não são todas que depreciam seu produto para subsistir ... algumas estão “dando show” de acolhimento e cobertura;

·        Inovando na atenção, agindo proativamente na prevenção quando algum evento com o beneficiário indica risco assistencial iminente ...

·        ... inovando no acolhimento, reduzindo os custos da retaguarda assistencial e administrativa ...

·        ... e sem com isso ter que restringir inadequadamente o acesso ... sem ter que adotar como postura atrasar tudo no limite do tempo que a ANS exige (ou até avaliando se a multa da ANS compensa) !

·        Algumas estão especialmente desenvolvendo uma rede própria com foco prioritariamente na atenção, e não prioritariamente na redução de custo !

Mas infelizmente estas são poucas ... o volume de reclamações, multas e judicializações não nos dão muita esperança de que o cenário é diferente do que gostaríamos !

·        E quando a gente tem oportunidade de falar sobre isso com algumas destas, tentando demonstrar que existem casos de sucesso para reverter o seu deplorável cenário de desassistência ... parecem que elas estão vendo o “Diabo na Cruz” ...

·        ... nem querer abrir discussão para tentar entender e replanejar seu “modus operandi” ! ... que existe forma diferente e eficaz de mudar !!

Então, na saúde suplementar, a maioria das operadoras está entregando cada vez menos, e o cliente naturalmente quer pagar cada vez menos:

·        O cliente não vê valor naquilo que está comprando;

·        Se o lanche do fast food vai diminuindo de tamanho e recheio a ponto de se equivaler ao que a gente compra pronto e congelado no supermercado ... porque pagar 3, 4 vezes mais caro por ele ?

·        Mostram uma foto de um lanche apetitoso ... matador de fome ... e entregam um salgadinho que mal dá para 3 mordidas ... se é que me entende !

Por isso os números demonstram que as operadoras que antes só vendiam planos de assistência médica vão buscando no mercado de planos exclusivamente odontológicos uma forma de compensar a redução de lucratividade que a inflação médico-hospitalar impõe quando não é possível compensar com o aumento do valor da contraprestação !!

Estamos vivendo um cenário bem claro na saúde suplementar:

·        Ao mesmo tempo que apresenta tendência de crescimento de mercado, com a inclusão de mais clientes;

·        Apresenta tendência de crescimento de clientes com menor poder aquisitivo ... que compram produtos de “menor valor agregado” para o cliente final;

·        E naturalmente as operadoras vão se adaptando a “esta nova ordem das coisas” !!

Novamente agradeço a oportunidade de poder discutir isso em uma turma de pós-graduação com profissionais que atuam em operadoras, no SUS, em serviços de saúde e em fornecedores de insumos ... poder discutir sem vieses é um grande privilégio !

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Informações adicionais sobre cursos e consultoria em gestão na área da saúde     contato@escepti.com.br  !

 

Sobre o autor Enio Jorge Salu

Histórico Acadêmico

·  Formado em Tecnologia da Informação pela UNESP – Universidade do Estado de São Paulo

·  Pós-graduação em Administração de Serviços de Saúde pela USP – Universidade de São Paulo

·  Especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas

·  Professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta

·  Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unimed

Histórico Profissional

·  CEO da Escepti Consultoria e Treinamento

·  Pesquisador Associado e Membro do Comitê Assessor do GVSaúde – Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da EAESP da Fundação Getúlio Vargas

·  Membro Efetivo da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares

·  CIO do Hospital Sírio Libanês, Diretor Comercial e de Saúde Suplementar do InCor/Fundação Zerbini, e Superintendente da Furukawa

·  Diretor no Conselho de Administração da ASSESPRO-SP – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação

·  Membro do Comitê Assessor do CATI (Congresso Anual de Tecnologia da Informação) do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas

·  Associado NCMA – National Contract Management Association

·  Associado SBIS – Sociedade Brasileira de Informática em Saúde

·  Autor de 12 livros sendo 3 pela Editora Manole, Editora Atheneu / FGV e demais em edições próprias para download gratuito nas páginas dos modelos

·  Gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado