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Rol da ANS e Padrões de Contratualização cada vez mais desmoralizados
0383 – 09/03/2024
Ref.: Cursos Profissionalizantes em Gestão da Saúde, Geografia Econômica da Saúde no Brasil e Jornada da Gestão em Saúde no Brasil
A regulação da saúde suplementar em xeque
(*) todos os gráficos e ilustrações são partes integrantes do Estudo Geografia Econômica da Saúde no Brasil e do material didático do Programa Cursos Profissionalizantes em Gestão da Saúde, dos cursos da Jornada da Gestão em Saúde e da Escepti
A jurisprudência que vai contra as coisas que eram consideradas como “cláusulas pétreas” da saúde suplementar evolui com uma velocidade acima do que era imaginado ... combustível para a escalada da judicialização da saúde, especialmente contra as operadoras de planos de saúde.
Uma das coisas “mais desmoralizadas” nos últimos tempos é o Rol da ANS:
· A “peça” acima dá ganho de causa para um beneficiário em relação a negativa de uma operadora de fazer algo que não consta no Rol;
· Está fora de questão aqui discutir se a decisão está certa ou errada ... é bom deixar isso bem claro para que o texto não seja interpretado de forma inadequada;
· A questão que se coloca aqui é que um dia alguém achou que a saúde suplementar deveria ter um Rol, e não pensou nas consequências de ter feito isso com foco no procedimento, e não na doença !
Um Rol só seria viável ... só teria alguma chance de dar certo ...
· ... se fosse algo estático e conceitual;
· Como ele é dinâmico e detalhista ... não conceitual ... é claro que não tem a menor chance de ser unanimidade nunca !
Não se discute ... pelo menos eu não discuto ... se no Rol deve ou não ter, por exemplo, Terapia ABA:
· O tratamento da “doença” seria a única possibilidade viável de estar em uma lista ... não a técnica;
· O maior defeito ... entre talvez uma dezena que poderíamos discutir em relação ao Rol ... é o fato de que ele elenca os procedimentos ... os insumos ... e não os tratamentos;
· Para quem não tem conhecimento ... a base do Rol são os procedimentos médicos que são “publicados” pela AMB (Associação Médica Brasileira) ... as antigas Tabelas AMB que viraram CBHPM’s ... que são tabelas de preços para remunerar procedimentos ... não o tratamento das doenças;
· E fica fácil entender o problema principal ... um procedimento médico não necessariamente se refere a uma única doença ... pode, por exemplo, ser realizado no “efeito causado” por várias doenças diferente ... na consequência e/ou no sintoma de várias doenças diferentes;
· A “margem de interpretação” que gera discórdia e judicialização ... o “entendo que” ... a “discussão semântica” ... em um cenário desses é líquida e certa !
O juiz, mesmo não explicitando isso, “meio que” se baseia no fato de que o Rol é interpretativo ao decidir que o tratamento integral deve ser oferecido ao paciente, independente de um procedimento específico estar descrito nele.
Novamente ... sem entrar no mérito do “detalhe escritural” do Rol, mas do conceito de assistência à saúde ...
· ... o Rol é questionável porque: como pode uma doença ser curada se o procedimento estiver no Rol, ou o paciente “padecer” se o procedimento necessário para evitar isso não estiver ?
· ... como pode um tratamento estar no Rol para aquela doença, e outro que o médico avalia ser mais adequado ao caso não estar ?
· Uma vez que a conduta médica é um direito do médico ... se isso está certo ou não, não é o foco da discussão aqui ... não é isso que se discute aqui ... uma vez que o médico tem o direito de adotar a conduta que julga ser a melhor e a lei o protege em relação a isso ... como pode um Rol definir quais os procedimentos são permitidos ou não para que o médico adote esta conduta que ele preconiza como a mais adequada para o caso ?
Neste contexto a tendência de desmoralização cada vez maior do Rol é inevitável ! ... Judicialização 7 x 1 Rol da ANS ... assim será !!!
Um outro exemplo demonstra que as condições contratuais tradicionais impostas pelas operadoras aos beneficiários de planos de saúde tendem a serem consideradas ao longo do tempo como “cláusulas leoninas”:
· O foco aqui também não é questionar a decisão do caso ... Deus não me dotou de vocação para “o direito” !
· O que se coloca é como a jurisprudência vai minando aos poucos coisas que aprendi como sendo as práticas mais comuns dos contratos recheados de “letrinhas minusculinhas” que os beneficiários assinam sem ter a menor condição de avaliar ...
· ... na verdade, nem é ter condição para avaliar tecnicamente o que está posto ... vai além ... é até ter sem condição de ler, de tão minúsculas que são as letras !!
Este caso específico é bem interessante:
· A condição contratual se origina de uma época em que “marido era o cabeça do casal” ...
· ... a mulher não trabalhava ... não trabalhava “fora de casa” é bom que se diga – eu não cometo esta injustiça de dizer isso, por exemplo, em relação à minha mãe que “era dona de casa” e trabalhava muito mais do que o marido (meu pai) e seus quatro filhos ...
· ... em uma época em que os filhos eram dependentes apenas até os 18 anos, ou 21 anos se estivessem cursando ensino superior ...
· ... e um “casal” era formado por um homem e uma mulher, que ficavam juntos até que morte os separasse !
Acho que não é preciso ficar aqui discorrendo sobre o fato de que esta realidade mudou !
· A figura do homem cabeça do casal “já era” há muito tempo;
· Filhos ficam na casa dos pais até muito mais do que 21 anos ... e vão ... e voltam ...
· E os casais não necessariamente são formados por um homem e uma mulher.
Mas em uma maioria absoluta de contratos formados com pessoas físicas, especialmente os de planos de saúde, o conteúdo ainda remete a este “longínquo período da história” !
· A vida mudou transformando as relações sociais, mas “as minutas” tendem a se manter com as condições sociais que existiam no passado;
· “Cai no colo” do juiz uma demanda relacionada ao mundo atual, que está formalizada em um contrato do tempo do “até que a morte os separe”: é mais do que lógico que ele vai dar ganho de causa baseado nos valores da sociedade atual !
As empresas resistem mais às mudanças sociais do que as pessoas ... Deus é testemunha !
· Só para exemplificar ... um caso que não tem a ver com saúde ...
· ... há poucos dias tive problemas com meu provedor de serviços internet;
· Ele deve ter feito alguma manutenção nos servidores e eu perdi o acesso à minha conta e-mail principal ... faço uso de mais de 10 contas e-mail neste provedor, mas uma tem que ser a principal;
· Ao perder o acesso à conta e-mail a primeira coisa que veio à cabeça foi entrar na central e mudar a senha da conta ... com receio de que alguém tivesse tentado entrar na minha conta repetidas vezes, bloqueando o acesso;
· Mas ao tentar entrar no painel recebia a informação de que a senha (do painel) não era válida ! ... a manutenção que eles fizeram bloqueou tanto a senha do meu e-mail principal como a de acesso à central do cliente !
· Ao clicar em “esqueci a senha” para redefinir a senha da central, uma instrução para redefinir a senha era enviada automaticamente para minha conta e-mail principal ... a que eu tinha perdido o acesso !!
· E é claro que não tinha como resolver meu problema sem ficar horas no telefone até ser atendido por alguém para informar o que eu deveria fazer.
Por que estou citando este evento bizarro ?
· Porque para resolver o problema tive que remeter uma declaração de que “eu sou eu mesmo” para pedir que eles definissem uma nova senha ... até aí, “quase tudo bem” !
· Mas, acredite, a declaração tinha que ser em “papel timbrado da empresa”, assinada e com “firma reconhecida” em cartório !
Fala sério: uma das maiores “empresas de internet” do Brasil ... uma das maiores do mundo ... não me deixou fazer uma declaração simples com assinatura digital !!!! ... teve que ser em papel com firma reconhecida em cartório ... e em papel timbrado que qualquer pessoa pode produzir se tiver um “aplicativo chamado Word” ! ... algo que “o mais amador dos fraudadores” pode fazer !!!
Isso ilustra o quanto as empresas são “herméticas” para se adaptarem às mudanças ... uma empresa de Internet que baseia processos em papel !!
Então ... voltando para o caso da “briga judicial” entre o plano de saúde e o beneficiário ... o foco aqui não é questionar a decisão do juiz no caso específico ... é questionar por que o plano de negócios da operadora ainda se baseia em condições sociais da época do “guaraná com rolha” !
A regulação da ANS foi construindo um “castelinho de areia”:
· Regulando coisas como coparticipação, franquia, reembolso ...
· Padronizando TISS (forma como operadoras e serviços de saúde devem se comunicar) e TUSS (codificação de procedimentos e insumos) ...
· Foi regulando o casamento entre o homem e a mulher até que a morte os separe, e que seus filhos saiam de casa aos 21 anos para se casarem também !
Mas o mercado evoluiu:
· Hoje se fala mais em vale saúde nas empresas contratantes do que em coparticipação;
· Hoje uma infinidade de “pacotes e empacotamentos” não se relacionam com um procedimento ... com um insumo ... e são definidos caso a caso ... de acordo com o interesse da operadora e do serviço de saúde, e não de acordo com o interesse de regulação da ANS ... o padrão TUSS tem “milhões de códigos” para um mesmo procedimento em forma de pacotes ... é um padrão que não estabelece mais um padrão ... as exceções viraram a regra;
· É como se a regulação da ANS em relação aos contratos ainda ignore o casamento de pessoas o mesmo sexo ... ignora que o casamento é cada vez mais temporário do que duradouro ... ignora que os filhos se casam e voltam para a casa dos pais ... e se casam de novo ... e voltam para a casa dos pais de novo ...
Os dois casos acredito que demonstram o que está acontecendo na prática:
· Não tem como ...
· ... Rol e premissas contratuais tradicionais vão ser cada vez mais desmoralizadas, porque o mundo mudou ... e a regulação não está acompanhando ...
· ... a judicialização é líquida e certa !
O “castelinho de areia” criado pela ANS naturalmente vai se desmanchar, ou pela onda do mar (o movimento incessante de judicializações), ou por “um chute” (ações legislativas que “vetam” isso ou aquilo), ou porque vai secando e o próprio vento vai destruindo suas paredes (a própria ANS não vai suportar manter regulações que dão mais trabalho e custo do que benefício para os envolvidos) !
O fato indiscutível é que o caminho da regulação foi sendo tratado pelo interesse econômico:
· A ANS regula as operadoras ...
· ... a ANS regula os planos de saúde ...
· ... a ANS não regula a saúde ... regula o financiamento da saúde !
É “meio que óbvio” que quando um caso chega ao juiz o que está em jogo na maioria absoluta dos casos não é o financiamento da saúde:
· O financiamento, para o juiz, é o meio ... não a finalidade da prestação de serviços de saúde;
· Ele não vai ... e tomara Deus que a maioria nunca vá ... colocar o detalhe do Rol como cláusula pétrea para sua decisão de proteger a parte que está pleiteando acesso à saúde ... não vai colocar como cláusula pétrea da sua decisão uma cláusula contratual que não condiz com a condição social atual ...
· ... ele, naturalmente, vai julgar a prestação do serviço ... o produto chamado “saúde” !
· É de um serviço essencial que estamos falando ... saúde ... não é do fornecimento de um item de consumo supérfluo.
Neste cenário, ele naturalmente vai dar ganho de causa para o tratamento da doença ... o contrário é que não seria óbvio !
Então ... “dá-lhe jurisprudência” ... que alimenta cada vez mais a judicialização.
O governo, através da ANS, gastou muito recurso dando foco em padronizar um cenário antigo de sustentabilidade financeira de fontes pagadoras e serviços de saúde:
· Codificação de procedimentos ...
· ... codificação de insumos ...
· ... tabelas de preços ...
A saúde mesmo ...
· ... o tratamento das doenças ...
· ... o acesso aos recursos necessários aos tratamentos ...
· ... a qualidade do tratamento ...
· ... ficaram em segundo plano ... terceiro plano ? ... quarto plano ?
Como o SUS tem privilégios que as operadoras não têm ... no SUS o jogo continua ... a judicialização “contra o governo” é mais lenta ... dá tempo de “mover a torre”, o cavalo, e evitar a proximidade do ataque no rei ... mas a saúde suplementar vai ouvindo cada vez mais: “xeque” !
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Sobre o autor Enio Jorge Salu
CEO da Escepti Consultoria e Treinamento
Histórico Acadêmico
· Formado em Tecnologia da Informação pela UNESP – Universidade do Estado de São Paulo
· Pós-graduação em Administração de Serviços de Saúde pela USP – Universidade de São Paulo
· Especializações em Administração Hospitalar, Epidemiologia Hospitalar e Economia e Custos em Saúde pela FGV – Fundação Getúlio Vargas
· Professor em Turmas de Pós-graduação na Faculdade Albert Einstein, Fundação Getúlio Vargas, FIA/USP, FUNDACE-FUNPEC/USP, Centro Universitário São Camilo, SENAC, CEEN/PUC-GO e Impacta
· Coordenador Adjunto do Curso de Pós-graduação em Administração Hospitalar da Fundação Unimed
Histórico Profissional
· Pesquisador Associado e Membro do Comitê Assessor do GVSaúde – Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da EAESP da Fundação Getúlio Vargas
· Membro Efetivo da Federação Brasileira de Administradores Hospitalares
· CIO do Hospital Sírio Libanês, Diretor Comercial e de Saúde Suplementar do InCor/Fundação Zerbini, e Superintendente da Furukawa
· Diretor no Conselho de Administração da ASSESPRO-SP – Associação das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação
· Membro do Comitê Assessor do CATI (Congresso Anual de Tecnologia da Informação) do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Fundação Getúlio Vargas
· Associado NCMA – National Contract Management Association
· Associado SBIS – Sociedade Brasileira de Informática em Saúde
· Autor de 12 livros pela Editora Manole, Editora Atheneu / FGV e Edições Próprias
· Gerente de mais de 200 projetos em operadoras de planos de saúde, hospitais, clínicas, centros de diagnósticos, secretarias de saúde e empresas fornecedoras de produtos e serviços para a área da saúde e outros segmentos de mercado